Com o rosto encoberto pelas mãos, Elize Matsunaga teve de ouvir a história da sua própria vida, desde a infância, passada a limpo no quarto dia do julgamento no Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo. Pela primeira vez, os seus advogados tiveram a oportunidade de chamar as testemunhas de defesa. A primeira delas, a técnica de enfermagem Roseli de Araújo, tia da ré, revelou que a sobrinha foi abusada sexualmente pelo padrasto na adolescência.
Os advogados querem a partir de agora construir a imagem de Elize a partir das dificuldades da infância, do convívio familiar e da superação de problemas para tentar afastar a tese da acusação de que ela tenha agido de forma premeditada contra o empresário Marcos Matsunaga e tenha empregado meios cruéis, o que aumentaria a pena. A ré está presa desde junho de 2012.
??s 17h15 desta quinta, Roseli de Araújo começou o seu depoimento relembrando as dificuldades da família na cidade de Chopinzinho, no interior do Paraná. Segundo ela, a rotina era de dificuldades em uma casa de madeira que sequer tinha banheiro ou geladeira. O pai da ré teria abandonado a filha, a irmã e a mãe, dificultando ainda mais as condições de relacionamento na residência.
A chegada do novo namorado da mãe, no entanto, teria causado mais problemas. O primeiro alerta para a tia foi quando Elize fugiu de casa na adolescência. “A gente desconfiou que tinha alguma coisa errada quando ela fugiu. Encontramos ela um mês depois no Conselho Tutelar de Gravataí, no Rio Grande do Sul, cidade que não é próxima de onde morávamos”, disse Roseli. “Só depois de descobrirmos do abuso do padrasto”, acrescentou.
A mulher que hoje responde por homicídio triplamente qualificado e destruição de cadáver era definida na infância como “discreta, estudiosa e gentil”, segundo a familiar. A vida de Elize começou a mudar quando ela deixou o interior e foi a Curitiba fazer um curso de técnico de enfermagem com as despesas pagas pela tia. Teria sido na capital paranaense que Elize começou a se prostituir, segundo apontou a investigação, tendo se mudado na sequência para São Paulo em busca de mais oportunidades.
Roseli definiu Marcos Matsunaga como um homem atencioso. O empresário havia ido ao interior do Paraná, segundo ela, para visitar a família de Elize, ainda quando eram namorados. “Pareciam apaixonados um pelo outro”, disse. A tia da ré relembrou que no dia anterior ao crime Elize conversou com ela sobre a descoberta da traição do marido. “Ela falou do detetive. Falou que ia se separar”, disse. Ela só descobriria que a sobrinha estava envolvida no assassinato quando a polícia foi ao apartamento de Elize, na Vila Leopoldina, na zona oeste, cumprir o mandado de prisão. “Antes, não sabia de nada. Não sabia de jeito nenhum”, disse Roseli.
A ré escutou a todo o relato de cabeça baixa e constantemente chorando diante das lembranças. A tia disse não ter presenciado agressões ou discussões do casal, uma tese sustentada pela defesa, segundo a qual o crime teria sido cometido por emoção diante de humilhações sofridas.
Nesta quinta, foi ouvida ainda uma empregada doméstica que trabalhava no apartamento do casal no fim de semana do crime. Mais cedo, a última testemunha de acusação, o médico legista Carlos Alberto de Souza Coelho, foi ouvido por cerca de seis horas.
Fim de semana. O julgamento deverá se estender até o fim de semana. A previsão inicial era de que o júri popular chegasse a uma decisão sobre o homicídio do empresário Marcos Matsunaga até esta sexta-feira, 2, mas o ritmo dos depoimentos indica que a sessão deverá se alongar, podendo chegar ao domingo.
Estão previstos ainda outros seis depoimentos de testemunhas de defesa, os debates entre a promotoria e os advogados, o interrogatório da ré – caso ela queira falar – e a votação dos jurados. O trâmite deve fazer com que o júri entre pelo fim de semana.
O depoimento do médico Carlos Alberto de Souza Coelho foi marcado pelo pedido de cancelamento do júri por parte da defesa. Coelho admitiu ter conversado “na terça ou quarta-feira” com o perito Jorge Oliveira, quando a sessão do julgamento já havia sido iniciada. Os advogados sustentaram ter havido violação do artigo 460 do Código de Processo Penal, que prevê o recolhimento das testemunhas em local onde não possam ouvir outros depoimentos.
O médico disse ter conversado com o perito para entender o porquê de ele ter feito adendos ao laudo necroscópico inicial do corpo de Marcos Matsunaga, em vez de ter feito documentos separados. As partes do empresário foram sendo encontradas ao longo de uma semana; Elize admitiu ter esquartejado o homem e jogado três malas em pontos diferentes das margens de uma rodovia em Cotia, região metropolitana.
Para os advogados, o contato representou um fato grave que, em tese, poderia levar a dissolução do conselho de sentença. Eles analisam se ingressarão com pedido para que a interrupção seja garantida por instâncias superiores. Para o juiz Adilson Paukoski Simoni, que coordena as atividades, o contato não representou prejuízo ao processo.
A opinião é compartilhada pelo promotor José Carlos Cosenzo. “Isso não é erro. Ficou bem claro, a defesa não quer terminar esse júri. ?? evidente não conseguem continuar o júri. A lei é clara: as testemunhas não podem conversar sobre aquilo que pode influenciar a opinião de um ou de outro. Mas eles não conversaram sobre o processo, (Coelho) fez uma pergunta administrativa”, disse.Cosenzo disse que o depoimento do médico comprovou as teses de que Matsunaga foi esquartejado ainda com vida. Segundo Coelho, o local onde a bala ficou alojada na cabeça do empresário pode significar que ele não morreu instantaneamente. “Endosso a opinião de que não houve morte imediata”, disse o médico. Ele comentou também outras características do corpo que supostamente reforçam a visão de que a secção do corpo começou a ser feita com o empresário ainda vivo.
O fato é relevante para a acusação já que ela tenta condenar Elize por homicídio triplamente qualificado, que inclui uso de meio cruel e método que impossibilitou a defesa da vítima. “Ficou bem claro que iniciou-se o esquartejamento enquanto ele ainda respirava, ele estava vivo. Levou o tiro e não morreu instantaneamente. A pergunta que fiz ficou bem clara: se a Elize se arrependesse e chamasse o Samu, ele poderia sobreviver? Ele (Coelho) falou que não dava para garantir, mas provavelmente sim”, acrescentou Cosenzo.
Para o advogado de Elize, Luciano Santoro, há laudos que provam o contrário. “A exumação foi feita e fala exatamente o contrário. O laudo mostrou que o tiro foi feito de longa distância e não havia reação vital. Portanto, a conclusão do perito é só dele”, disse.
Santoro acrescentou que, no dia em que as testemunhas de acusação se encerram, a promotoria não conseguiu provar a motivação do crime. “Isso é sensacional para a defesa porque mostra que a torpeza que havia colocado, que teria sido por dinheiro, vingança, nada disso foi abordado até agora”, disse.