De uma pessoa em geral, mas, sobretudo, de um governante, deve-se exigir um mínimo de coerência. Apesar dos motivos pessoais de alguns membros da cúpula governamental, o impeachment de Dilma Roussef fundamentou-se nas fortes suspeitas de crimes eleitorais, além de omissões ou participações indiretas em crimes de corrupção. Pelo mesmo motivo, isto é, por fortes suspeitas, até que se prove o contrário, Temer deveria evitar o vexame de uma impugnação por parte do TSE ou qualquer outra forma de “mancha” na sua carreira política.
Michel Temer já se gabou publicamente, há não muito tempo, de sua ilibada reputação política. Sendo assim, quer seja culpado ou não, quer tenha sido vítima de tramoias ou não, é preciso que se afaste com dignidade e renuncie ao cargo.
As consequências da sua renúncia podem ser imprevisíveis, mas não se pode ter dois pesos e duas medidas, na vida particular e, sobretudo, na vida pública. Lula ainda precisa provar a sua inocência e, nesta altura do “campeonato” político, Temer se encontra na mesma situação. Assim como Lula, até prova em contrário, não deveria vir a público afirmar que é uma inocente vítima da perseguição implacável de um juiz paranaense, assim também ele poderá se defender das acusações que bem entender, mas desde que devidamente afastado de suas funções públicas.
Parece ingênuo supor que quem governa deva sacrificar-se pelo país, mas um verdadeiro estadista (e há na história alguns exemplos) coloca em primeiro lugar o bem-estar da nação e somente em segundo plano a própria pele.
O político profissional assemelha-se, guardadas as devidas proporções, ao atleta profissional. Em priscas eras, quando se competia pelo prazer de competir e para bem representar a comunidade a qual se pertencia, havia um sabor especial no esporte em geral, que o tornava uma atividade lúdica bastante digna. Hoje em dia, com poucas exceções, o espírito agonista foi substituído pela ganância explícita.
Embora um político não seja um atleta e Michel temer não tenha o “physique du rôle” de um esportista, espero que se inspire nos agonistas de outrora, principalmente nos da antiguidade greco-romana, e admita que não tem mais condições de governar, pois a combalida situação socioeconômica do país não pode aguardar os tempos indefinidos e longos da justiça brasileira. No interregno que decorre entre as graves acusações que sobre ele pesam e o processo de sua suposta absolvição, a sociedade poderá assistir impassível e inerme ao aumento do desemprego e da pobreza generalizada, ou, pior ainda, ao ataque de aventureiros sempre à espreita do momento oportuno para dar o bote.
A muitos jornalistas, inclusive internacionais, que recentemente publicaram matérias sobre o assunto, pode parecer indiferente a permanência ou não do presidente em exercício no seu cargo, desde que sejam feitas as reformas em discussão, mas nós, simples e indefesos cidadãos, que diariamente sentimos na pele a ausência de uma efetiva condução da economia e de um projeto minimamente viável para o país, não deveríamos cruzar os braços diante de mais uma nuvem escura pairando sobre um dos máximos governantes brasileiros.
Não me associei antes, mecanicamente e sem critérios, à multidão que gritava (e ainda grita): “Fora Temer”! Não me associo agora, do mesmo jeito, a um lema que visa a atingir apenas um dos membros de um sistema político representativo muito mais vasto e muito além de uma só pessoa que possa encarná-lo. Sendo assim, buscando a coerência, associo-me, sem bordões de “guerra” ou palavras de ordem, ao grupo dos que esperam que o próprio presidente em exercício reflita sobre o assunto e conclua que, ao se afastar com dignidade mediante a renúncia, não apenas dará uma resposta digna e civilizada aos gritos da multidão enfurecida, como também incluirá o seu nome na história dos políticos brasileiros que, à semelhança dos antigos atletas, “suou” a camisa não apenas em proveito próprio, mas em nome da nação.