A cada encontro saudoso com a turma do colégio ou da faculdade é uma surpresa. A suposta homogeneidade da turma de mesma faixa etária reflete realidades muito distintas. Você certamente encontrará amigas muito envelhecidas, com marcas visíveis do passar do tempo, e, outras, surpreendentemente, jovens, com o mesmo peso e cabelo ainda natural. O processo do envelhecimento, sem dúvida, não é linear, é muito assimétrico e individual, como bem sabemos. No campo profissional também não é diferente, nem todos conseguem atender os padrões sociais que reclamam por uma vida bem-sucedida e exitosa.
Envelhecer mais ou menos depressa é reflexo de incontáveis fatores, tais como, o ambiente natural do indivíduo, passado e práticas, herança genética, alimentação, investimento em bons hábitos para a saúde, como exercícios e alimentação ou o contrário de tudo isso – uma vida regada a excessos. E, nesse processo, nos deparamos com o gênero humano ímpar, o gênero feminino, que em todo mundo, vive, aproximadamente, em torno de 5 a 7 anos a mais do que os homens.
A justificar tal fato, podemos citar também a existência de fatores genéticos. Os hormônios femininos que funcionariam como proteção, a própria menstruação feminina que propicia a eliminação de elementos oxidantes e muitas outras justificativas da genética e até da ficção.
No Brasil não é diferente. A maioria viva da população brasileira é composta por mulheres e é sobre estas mulheres, bem como, seus reflexos previdenciários pelo tempo.
É urgente tecer aqui algumas considerações, no entorno desta personagem, que é o verdadeiro sexo forte e ainda pouco valorizada, figurando em estatísticas assustadoras, podendo com pesar, ser melhor traduzida, como o gênero da desigualdade.
A reforma da Previdência Social, ocorrida em 2019, evidenciou ainda mais este fato, sendo muito prejudicial para a grande maioria dos brasileiros, de um modo geral, mas certamente as mulheres são a clientela mais prejudicada e muitos dados divulgados pelo governo, que embasaram ou justificaram a reforma, não refletem nem de longe a realidade experimentada pelas mulheres brasileiras, que desaguará em uma velhice, ainda mais desigual, como se assiste.
Inicialmente, o Governo Federal pretendeu, na aludida reforma na Previdência, promover a equiparação da idade entre homens e mulheres para pleito de benefícios a partir de 65 anos. Como justificativa, o governo baseou-se em um levantamento feito em 2013 pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em dezembro daquele ano, que revelou que as mulheres já representavam cerca de 56,2% dos benefícios ativos no Regime Geral de Previdência brasileira.
Enaltecendo, assim, sua vertiginosa participação progressiva no mercado de trabalho de 2000 a 2010, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dados que não refletem a verdade real destas mulheres, tanto social, quanto atuarial. O aludido censo de 2010, acenava para uma equiparação, quando na verdade as mulheres ainda recebem os menores salários, mesmo desempenhando a mesma função, dentre outras situações, não abordadas.
Para finalizar, de acordo com dados fornecidos pelo INSS atualizados até 31/07/2015, cerca de 62,4% dos benefícios pagos pelo Instituto são iguais ou inferiores a um salário-mínimo, e, neste universo, encontram-se as aposentadorias por idade.
Como noticiado pela mídia, as mulheres são as “campeãs” das aposentadorias por idade, contudo, não contam que são benefícios no valor de um salário-mínimo, sendo que mais de 70%, nesta mesma pesquisa, encontram-se as aposentadorias por tempo de contribuição, pertencentes a clientela masculina, contra pouco mais de 20% pagos às mulheres. Uma gritante diferença salarial do valor destas aposentadorias entre ambos.
Desse modo, este “crescimento” da mulher, aos olhos da Previdência, deveria ter sido melhor analisado e sopesado. Apesar do aumento expressivo de mulheres beneficiárias da Previdência Social brasileira, a diferença nas espécies de benefícios, bem como nos valores recebidos pelas mesmas, reflete apenas o tratamento desigual no ambiente de trabalho ao longo da história.
Muitas mulheres, por inúmeras razões, ainda demoram mais a ingressar no mercado, principalmente, as mais carentes e vulneráveis, gestoras de lares, com trabalhos precários. E possuem inúmeras dificuldades em contribuir financeiramente para a Previdência Social, vivendo na informalidade.
E não podemos deixar de mencionar as pensões. Mais de 80% desta espécie de benefício são pagos para mulheres, que evidentemente refletem os salários empreendidos por seus maridos, que ,em geral, são mais velhos, por isso vivem menos, além de outros fatores.
E no cenário atual, após a reforma, em caso de morte dos cônjuges, as mulheres sem filhos menores passaram a receber a título de pensão apenas 60% do valor da aposentadoria do falecido. O que vulnera sobremaneira a mulher idosa, que uma vez viúva, nesta faixa etária, certamente estará fora do mercado de trabalho, dependendo exclusivamente do então salário do esposo/companheiro, para sobreviver.
Como se vê, a redução do valor deste benefício previdenciário contribui para o aumento da desproteção social da mulher brasileira.
O grande desafio é o acesso das mulheres às contribuições sociais, que se dá pelo exercício de atividade remunerada. Então, é necessário combater o exercício do trabalho informal, os baixos salários, em comparação a clientela masculina e a dupla jornada.
Muito por isso, seria impossível se promover uma equiparação previdenciária, entre homens e mulheres. Além das demais alterações na sistemática de pagamento dos benefícios, diminuindo o valor destes, com base em dados não fidedignos com a realidade, calcados na expectativa de vida feminina e no simples fato de ser detentora de um maior número de benefícios, genericamente analisados. Tal interpretação, errônea, fere o escopo da seguridade que é a proteção social.
Decorridos, quase cinco anos, pode-se concluir que a reforma da Previdência brasileira, serviu para ampliar esta situação de desigualdade, revelando de maneira solar a gritante diferença atuarial entre os gêneros.
É inegável e urgente que sejam tomadas medidas de ajustes diante desta realidade do envelhecimento da população. Porém, deverá ocorrer de forma gradual e justa e com vários olhares diante de tantas realidades. E, não somente no campo da previdência, mas do mercado de trabalho, para não criarmos um abismo de desigualdade ainda maior no futuro.
*Ana Toledo é advogada especialista em Direito Público e Seguridade Social e sócia do escritório AC Toledo Advocacia – wwww.actoledo.com.br