Envelhecer sem amadurecer

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Dimas Ramalho - Envelhecer sem amadurecer

O Brasil atravessa uma inflexão histórica em sua estrutura demográfica. Em 2023, o país contabilizou 2,5 milhões de nascimentos — o menor número desde 1976, conforme os dados compilados pelo IBGE. Trata-se do quinto ano consecutivo de queda. O total de registros ficou 12% abaixo da média de 2015 a 2019, ano imediatamente anterior ao do início da pandemia. Mais do que os números em si, porém, o que importa é o que eles indicam: o encerramento de um ciclo histórico e o início de uma nova era para a sociedade brasileira.

Nas últimas décadas, o país vivenciou uma janela de oportunidade rara: o bônus demográfico — quando a parcela da população em idade ativa supera a de crianças e aposentados. Essa estrutura populacional favoreceu a expansão da renda, a redução da pobreza e o crescimento do consumo. Era um período em que havia mais gente produzindo do que dependendo, gerando excedentes de trabalho, arrecadação e dinamismo econômico.
Essa janela, no entanto, está se fechando — e, de forma preocupante, sem que o país tenha aproveitado plenamente seu potencial. O Brasil vai chegar ao fim do bônus demográfico ainda marcado por graves deficiências em educação, produtividade e equidade social. A fecundidade média caiu para 1,57 filho por mulher, abaixo do nível de reposição populacional, e o envelhecimento da população se tornou uma tendência irreversível. Em outras palavras, o país está ficando mais velho antes de ter ficado rico — ou mesmo de ter garantido uma base educacional sólida à sua população.
As causas da queda na natalidade são conhecidas: maior escolarização feminina, urbanização acelerada, instabilidade econômica, dificuldade de conciliar trabalho e família, precariedade habitacional, entre outras. A pandemia, com seus efeitos sanitários, psicológicos e sociais, também ampliou a incerteza sobre o futuro, tornando a decisão de ter filhos ainda mais difícil para muitos.
A queda da natalidade, entretanto, não é um problema em si. Muitas vezes, ela expressa fatos importantes: maior autonomia das mulheres, liberdade de escolha, novas aspirações de vida. O problema está na desconexão entre essa nova realidade demográfica e o desenho institucional do país. Seguimos operando com estruturas pensadas para um Brasil jovem — um sistema previdenciário que supõe uma base ampla de contribuintes; uma rede urbana pouco preparada para a população idosa; um mercado de trabalho que marginaliza e desampara os mais velhos.
Diante desse novo cenário, o país precisará fazer escolhas de longo prazo. O envelhecimento populacional impõe uma agenda de Estado: reformar a Previdência de forma sustentável, adaptar o sistema de saúde ao cuidado contínuo, repensar o papel dos idosos como força produtiva, e criar políticas eficazes de requalificação profissional. Será preciso valorizar a longevidade como ativo social e econômico — e não como fardo.
As disparidades regionais acrescentam mais uma camada de complexidade. Enquanto o Norte ainda apresenta taxas de nascimento mais altas (1,83 filhos por mulher em 2023), o Sudeste, Sul e Nordeste já se alinham aos padrões de países desenvolvidos. Essa heterogeneidade demanda políticas federativas sensíveis às realidades locais, sob pena de acentuar as desigualdades já existentes entre regiões mais envelhecidas e mais jovens.
O período de bônus demográfico deveria ter sido o início de uma nova etapa de amadurecimento econômico e social. Mas, em vez de consolidar avanços em produtividade, educação e equidade, o Brasil parece estar atravessando esse período com um gosto de chance perdida. Agora, o desafio é transformar esse cenário em impulso para uma reformulação profunda do projeto de país. Trata-se, em última instância, de responder a uma pergunta decisiva: que sociedade queremos construir à medida que envelhecemos?
O tempo é lento, mas implacável. Ele cobra com atraso, mas com juros altos. Ainda há margem para agir — desde que se abandonem soluções improvisadas e se invista, com coragem e visão de futuro, em um modelo de desenvolvimento inclusivo, sustentável e compatível com o Brasil que envelhece.
Dimas Ramalho é conselheiro-corregedor do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

 

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