câncer de próstata O Brasil assistiu, entre 2019 e 2024, a um movimento de queda brusca e retomada vigorosa nas cirurgias de câncer de próstata realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). É o que mostram os dados analisados pelo Instituto de Urologia, Oncologia e Cirurgia Robótica (IUCR) a partir do Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS), do Ministério da Saúde.

No período, foram registrados 173.323 procedimentos, somando diferentes códigos do SIH/SUS ligados à terapêutica cirúrgica da próstata. A série histórica, que não inclui os dados de 2025, escancara o impacto da pandemia no acesso, seguido por um ciclo de reorganização dos serviços e expansão do atendimento cirúrgico.

Em 2019, último ano antes da Covid-19, o SUS computou 29.093 cirurgias de próstata. Já em 2020, com impacto nas cirurgia eletivas, o volume despencou para 20.186, queda de 30,6%.

A partir de 2021, há sinais nítidos de recuperação: 21.762 cirurgias (aumento de 7,8% frente a 2020), com aceleração em 2022 (30.189; aumento de 38,7%), continuidade em 2023 (34.176; aumento de 13,2%) e novo incremento em 2024 (37.917; aumento de 10,9%). Ao fim do período analisado, o patamar anual superou em 30,3% o observado em 2019, evidenciando não apenas recomposição de demanda reprimida, mas também ganho de capacidade produtiva nos serviços públicos de urologia e oncologia cirúrgica.

Para o urologista e cirurgião oncológico Gustavo Cardoso Guimarães, diretor do IUCR e diretor-geral dos Departamentos Cirúrgicos Oncológicos da BP, a curva descrita pelos dados confirma o que muitos profissionais vivenciaram na rotina clínica.

“O gráfico mostra uma queda sem precedentes no primeiro ano da pandemia, quando exames de rastreamento e consultas foram adiados e o acesso à cirurgia ficou estrangulado. A partir de 2021, o SUS reorganizou fluxos e voltou a operar em crescimento, até ultrapassar o nível pré-pandemia em 2024.” Segundo ele, a trajetória recente “indica capacidade de resposta, planejamento e, principalmente, um esforço coletivo de equipes e gestores para recuperar o tempo perdido com segurança e qualidade”.

A distribuição regional ajuda a entender como essa recuperação se espraiou pelo país. Em 2019, o Sudeste concentrava 52,6% das cirurgias, o Nordeste 21,8%, o Sul 15,2%, o Centro-Oeste 5,7% e o Norte 4,7%. Em 2024, há leve redistribuição: o Sudeste ainda lidera, mas recua em participação relativa para 46,5%; o Nordeste avança para 26,6%; o Norte sobe para 6,3%; o Sul mantém patamar próximo (14,7%); e o Centro-Oeste permanece estável (5,9%).

Em termos de crescimento acumulado de 2019 a 2024, Norte (aumento de 75,5%) e Nordeste (aumento de 58,6%) foram as regiões que mais aceleraram, seguidas por Centro-Oeste (aumento de 34,3%), Sul (aumento de 26,3%) e Sudeste (aumento de 15,3%). A fotografia sugere que, embora a massa crítica de procedimentos siga no eixo Sudeste, os investimentos e reorganizações assistenciais do pós-pandemia também chegaram com força às macrorregiões historicamente menos concentradoras de alta complexidade.

No recorte por unidades da federação em 2024, São Paulo lidera com 8.849 cirurgias, seguido por Minas Gerais (5.001), Bahia (3.684), Rio de Janeiro (3.068) e Rio Grande do Sul (2.404). Na sequência aparecem Paraná (1.823), Maranhão (1.582), Pernambuco (1.440), Santa Catarina (1.354) e Ceará (1.169), formando o grupo de dez maiores volumes no ano. Entre os menores patamares estão Roraima (92), Rondônia (104), Amapá (197), Acre (199) e Tocantins (200). As diferenças refletem tanto a distribuição populacional e a estrutura da rede hospitalar quanto o grau de centralização regional dos serviços urológicos e oncológicos. Ainda assim, a própria evolução do Norte e do Nordeste sinaliza uma convergência relativa em relação aos grandes centros, especialmente após 2021.

De acordo com Gustavo Guimarães, o comportamento regional importa porque fala de equidade de acesso: “A retomada no Brasil não foi homogênea, mas o dado positivo é que Norte e Nordeste cresceram acima da média nacional. Isso significa mais pacientes chegando ao tratamento cirúrgico em tempo oportuno, com potencial de impacto em desfechos oncológicos e qualidade de vida”.

Ele ressalta que o monitoramento contínuo da série, inclusive com atualização dos meses mais recentes, sujeitos a retificação pelo SIH/SUS, é crucial para orientar políticas públicas e planejamento hospitalar: “Quando olhamos tendências de médio prazo, conseguimos ajustar capacidade instalada, ampliar linhas de cuidado e reduzir gargalos”, reforça.

O contexto epidemiológico ajuda a dimensionar o desafio. O câncer de próstata é o tumor de maior incidência entre os homens no Brasil (excluindo pele não melanoma), com cerca de 72 mil novos casos/ano estimados pelo INCA para cada ano do triênio 2023-2025. A incidência é alta em todas as regiões: no Sudeste, 77,89 casos por 100 mil; no Nordeste, 73,28; no Sul, 57,23; no Centro-Oeste, 61,60; e no Norte, 28,4 por 100 mil. Na prática, isso significa uma demanda persistente e distribuída por diagnóstico, estadiamento e tratamento e, para uma parcela relevante, pela via cirúrgica. Nem toda alteração em toque retal ou PSA elevado será câncer; há hiperplasias benignas e prostatites que se confundem com a doença. Contudo, quando a biópsia confirma o tumor, a decisão terapêutica deve ser individualizada conforme risco oncológico, expectativa de vida e preferências do paciente.

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No contexto do planejamento terapêutico, a cirurgia divide espaço com radioterapia, hormonioterapia, terapias focais (como ultrassom de alta frequência), crioterapia, quimioterapia e, em centros selecionados, protonterapia. Há também a vigilância ativa para casos indolentes. Em termos cirúrgicos, a cirurgia minimamente invasiva com plataforma robótica é considerada o padrão tecnológico mais moderno em urologia oncológica, por oferecer visualização ampliada, instrumentação de alta precisão e ergonomia superior. “Na técnica robótica, o cirurgião opera a partir de um console e o sistema reproduz seus movimentos com instrumentos articulados e visão tridimensional. Em geral, vemos menor perda sanguínea, menos dor, menos complicações e recuperação mais rápida quando comparado à via aberta, sem prejuízo oncológico”, explica Guimarães.

Números do câncer de próstata

É importante destacar, contudo, um ponto metodológico do presente levantamento: os números de 2019-2024 ainda não capturam a cirurgia robótica no SUS. A tecnologia foi recentemente incorporada pelo Ministério da Saúde e está em fase de implantação, com prazo regulatório de 180 dias após a publicação no Diário Oficial da União (ocorrida em outubro de 2025) para que os fluxos e habilitações se consolidem. Até que os códigos e registros passem a espelhar plenamente essa modalidade na rede pública, a série histórica seguirá refletindo majoritariamente as abordagens convencionais e laparoscópicas.

A experiência internacional e a rede privada brasileira sugerem que a expansão da robótica tende a redistribuir tempos de internação e perfis de alta, com impacto potencial na organização de centros cirúrgicos, na necessidade de retreinamento de equipes e na logística de insumos. “Quando a robótica entra, a discussão deixa de ser apenas ‘quantas cirurgias’ e passa a incluir ‘onde’ e ‘como’ operamos, com metas de segurança, recuperação e qualidade funcional — continência urinária e preservação de função erétil — no centro do cuidado”, afirma Guimarães. Segundo ele, o SUS tem a oportunidade de internalizar aprendizados. “A implantação ordenada, com concentração inicial em hospitais habilitados e protocolos claros de indicação, é decisiva para maximizar o benefício clínico e a eficiência do sistema.”

Outro eixo estratégico é o da linha de cuidado do câncer de próstata. A retomada cirúrgica observada no SIH/SUS precisa vir acompanhada de acesso oportuno ao diagnóstico (consulta em urologia, PSA, toque retal e biópsia quando indicada), estadiamento adequado (imagens e patologia), discussão multidisciplinar (urologia, radioterapia, oncologia clínica, enfermagem, fisioterapia, psicologia) e seguimento ambulatorial estruturado para monitorar recorrência, continência e função sexual.

“Não basta operar mais. É fundamental operar melhor e inserir a cirurgia no contexto de um cuidado integral, centrado no paciente”, reforça Guimarães. Para isso, acrescenta o especialista, documentos de referência, centros de excelência e teleinterconsultas podem reduzir variabilidade, acelerar decisões e poupar recursos.

Os dados por Unidade da Federação de 2024 ilustram como escala e capilaridade caminham juntas. Estados com grande população e redes maduras (caso de São Paulo, Minas e Rio de Janeiro) reúnem os maiores volumes absolutos, mas a expansão do Nordeste e do Norte demonstra que políticas regionais e parcerias entre hospitais estaduais e federais vêm criando polos de cirurgia urológica oncológica. O desafio, agora, é sustentar o crescimento com qualidade, monitorando indicadores de resultado (margens cirúrgicas, complicações, readmissões) e de experiência do paciente, além de garantir correções de rota onde houver filas e gargalos persistentes.

Vale ressaltar que os meses mais recentes estão sujeitos a atualização, o que pode ajustar os totais de 2024 para cima; e a série analisa procedimentos hospitalares por local de internação, somando diferentes códigos de prostatectomia utilizados na rotina do SUS, um recorte suficientemente robusto para captar tendências de oferta cirúrgica, embora não traduza sozinho todas as abordagens terapêuticas disponíveis para a doença.

A conclusão, a partir destes dados, de acordo com Guimarães, é que a curva brasileira mostra que a urologia do SUS soube reagir, recompor e avançar após a pandemia. “O próximo passo será ampliar o acesso com qualidade, incorporando a robótica de forma responsável e garantindo que a decisão terapêutica continue centrada em evidências e no paciente”, conclui Guimarães. O especialista vislumbra que se 2020 foi o ano da interrupção forçada, 2022 a reabertura e 2024 a consolidação, 2025 em diante tende a ser o período em que a combinação entre escala, equidade e tecnologia definirá o padrão do cuidado cirúrgico do câncer de próstata no país.

Referência bibliográfica

Fonte: Ministério da Saúde — SIH/SUS (procedimentos hospitalares por local de internação, AIH aprovadas por ano de processamento e UF; período 2019-2024). Observação: dados mais recentes estão sujeitos a revisão pelo gestor da base. Os números informados não incluem a modalidade cirurgia robótica no SUS, recém-incorporada e em fase de implantação (prazo regulatório de 180 dias após publicação no DOU).

Sobre o IUCR

O Instituto de Urologia, Oncologia e Cirurgia Robótica Dr. Gustavo Guimarães – IUCR, criado em 2013, é especializado na prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação do paciente com câncer. A equipe médica é formada por profissionais altamente especializados em uro-oncologia, cirurgia oncológica e oncologia clínica, sob a liderança do cirurgião oncológico Dr. Gustavo Guimarães, que possui mais de 20 anos de atuação e dedicação à assistência do paciente, ao ensino e à pesquisa científica nessa área. Guimarães desenvolveu ampla experiência em tecnologias e procedimentos minimamente invasivos como cirurgia laparoscópica, ultrassom focalizado de alta intensidade-HIFU e cirurgia robótica, tendo desenvolvido um consistente Programa de Consultoria e Capacitação sobre Cirurgia Robótica para Instituições de saúde em todo o país, que engloba a implantação, o desenvolvimento das diversas técnicas cirúrgicas e a capacitação das equipes.

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