De acordo com matéria recente do Jornal El Pais, Joe Biden pretende afastar os EUA do neoliberalismo. Essa corrente econômica, de forte impacto social, foi iniciada com a ascensão ao poder de Ronald Reagan e Margareth Thatcher no final dos anos 70 e início dos anos 80, e espalhou-se pelo mundo no decorrer das décadas posteriores.
Em 1979, China e os Estados Unidos restabeleceram relações diplomáticas, e a China iniciou um processo de crescimento com vistas às oportunidades criadas pelo Consenso de Washington. Isto importava em acelerar processos de desregulamentação, redução de impostos, privatizações, globalização, tendo como máxima o mercado acima de tudo.
A China foi o país que melhor aproveitou as oportunidades criadas pelo neoliberalismo globalizado, ainda que inicialmente tenha passado por cima de patentes e direitos do autor, como é sabido.
O fato é que esse mundo desbalanceado colocou os países emergentes em uma situação difícil, especialmente nas grandes metrópoles, pois estes países centraram-se na produção de commodities agrícolas e de extração mineral, sem resolver o problema do desemprego de seu operariado.
O Brasil ganhou grandes problemas por seguir esse caminho ultraliberal sem ressalvas sociais. Como exemplo, a panaceia da privatização como solução e a desindustrialização como realidade.
Privatização pode ser bom para as contas públicas, mas não é solução para crescimento. Ocorre que a economia nas contas é absorvida pelo aumento de gastos públicos com novos cargos, remuneração e benefícios criados pelos políticos. O político brasileiro parece não conviver muito bem com poupança, e qualquer reserva do país é consumida rapidamente.
A Vale do Rio Doce se foi. Nem por isso o Brasil tornou-se sombra do que é a Alemanha, por exemplo.
Empresas públicas ou privadas podem ser ótimas, desde que bem gerenciadas. Mas, no caso do Brasil, as estatais são habitualmente problemáticas.
O mau uso do potencial de uma estatal tem na Petrobrás um notório exemplo importante – empresa que financiou um partido e inúmeros corruptos.
Empresas de economia mista, ao contrário do que sugeriu Lula há tempos recentes, são muito ruins como solução econômica. Explica-se: por aqui, não atendem nem o acionista, nem o interesse público – basta observar como Bolsonaro lidou com a administração da Petrobrás.
No Brasil, uma empresa deveria ser pública ou ser privada integralmente; não se atende a dois senhores ao mesmo tempo. Estatais, pelo menos por aqui, tem sido caminho para apadrinhamento e para ineficiência.
Por outro lado, o exemplo do apagão de Roraima demonstrou que empresas privadas de péssima qualidade podem gerar sérios problemas quando detém monopólios de serviços públicos essenciais. Todavia, nas telecomunicações, como já previa o falecido ministro Sérgio Motta, demonstrou-se que a privatização bem conduzida pode melhorar a distribuição de serviços importantes.
Porém, o que é essencial ou de interesse público, e mesmo quando não interessa ao setor privado, deve ser preservado aos entes públicos. E mais, investidor não coloca dinheiro em algo que não dá retorno financeiro ainda que exista interesse social importante.
O Brasil amarrou-se muito tempo na doutrina thatcheriana, e aprofundou-se em temas e políticas que desnaturam qualquer objetivo de dar algum bem-estar social para a população. Criminalidade, crendices teocráticas, ignorância, obscurantismo, falta de trabalhadores especializados, são algumas das consequências desta opção.
A política econômica, fundamentada em exportação de commodities, não distribuiu riquezas, ainda que melhorasse as reservas brasileiras. Aliás, consequência de uma tradição secular de excludente de oportunidades e de desigualdades sociais.
Não se trata de criticar o que funciona, no caso a força das commodities brasileiras, mas não é possível desenvolver o país somente com base em commodities e consumo interno.
É muito ruim termos que rediscutir industrialização, tema do Século XX, enquanto o mundo desenvolvido discute tecnologia e economia verde. Estamos muito atrasados.
Se há um caminho central e de equilíbrio para a recuperação brasileira, esse ainda passará por um governo de centro e de equilíbrio fiscal, fazendo contraponto com messianismo, radicalismo, teocracia e terraplanismo.
Sem dúvida, é um ponto de inflexão. O que se fizer daqui para frente ou nos destruirá ou nos fortalecerá, com licença da surrada citação. Ou seremos Mianmar ou seremos Suécia. O primeiro exemplo, em curto prazo; o segundo, fruto de trabalho de longo prazo.
Portanto, esse quadro faz com que seja extremamente importante termos os melhores administradores públicos no comando do país desde já, pois equilibrar o social com os demais interesses dos agentes econômicos exige excelência na gestão, o que não temos no momento na administração do país.
Cássio Faeddo. Advogado. Mestre em Direito. MBA em Relações Internacionais – FGV/SP.