O prefeito de Campinas, Dário Saadi, descartou a possibilidade de fazer um lockdown clássico na cidade e disse que estuda a possibilidade de antecipar feriados, a exemplo do que acontecerá na cidade de São Paulo. O anúncio foi feito na noite desta quinta-feira, no Fórum da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas, que reuniu virtualmente 20 representantes da SMCC, prefeitura, instituições de ensino e hospitais da RMC (Região Metropolitana de Campinas), que, por três horas, debateram o colapso da saúde na região.
O prefeito explicou que, apesar de entender a necessidade de conter a transmissão do vírus, um lockdown clássico, que inclui a suspensão do transporte público, poderia impactar diretamente no atendimento à saúde, já que dos 60 mil profissionais de saúde da cidade, cerca de 25 mil atuam diretamente na assistência e, desses, muitos não têm carro. Outro ponto apontado por ele é que a falta de ônibus também pode atrapalhar o bom andamento da vacinação e o acesso das pessoas a serviços de saúde.
Uma das alternativas que devem ser discutidas hoje, em uma reunião com os prefeitos da RMC, é a antecipação dos feriados. “Amanhã (hoje), eu vou tentar convencer os prefeitos da Região Metropolitana a fazer um toque de recolher. Nós vamos também discutir a antecipação de feriados. A gente vai fazer o que é possível”, afirma o prefeito, que, durante o evento, falou sobre a abertura de leitos, as medidas adotas pelo município e as dificuldades de quem está sendo economicamente afetado pela pandemia.
O diretor técnico da Maternidade de Campinas, Dr Marcos Miele, reforçou a preocupação com a falta de transporte público. Segundo ele, uma pesquisa informal feita com os funcionários da Maternidade apontou que 75% deles não teriam condições de ir trabalhar.
O secretário de Saúde Dr Lair Zambon lamentou o recorde de mortes por covid-19 na cidade ontem, quando foram registrados 30 casos, e disse que a situação deve piorar nos próximos dez dias. “A pandemia vai piorar nessa próxima semana e nós temos que ficar preparados para o que vai acontecer. Já tem existido óbitos na porta. Todos estão assistidos por enquanto, mas não sei por quanto tempo ainda. Eu acho que nos próximos 10 dias, as coisas vão ficar piores, infelizmente. Nós não temos nenhum indicador hoje de que a cidade vai melhor”, lamenta.
Apesar desse cenário, segundo ele, não existe condições de Campinas fazer um lockdown. “Os próprios usuários, para procurar o sistema público, teriam uma dificuldade imensa. Muita gente ficaria doente em casa. Os bancos de sangue estão com estoque muito baixo. Numa restrição muito importante, eles seriam muito prejudicados. É um contexto dificílimo”, destaca. Além disso, Dr Zambon ressaltou que nem todos os municípios iriam aderir à medida. Na avaliação da prefeitura, para que o lockdown seja eficiente, é necessário que toda a região o adote.
Zambon destacou, ainda, um problema que foi apontado por todos os representantes de hospital que estavam presentes: o risco de desabastecimento de medicamentos usados em pacientes que necessitam de intubação, já que o Ministério da Saúde requisitou o estoque de uma indústria de medicamentos; a falta de oxigênio e a dificuldade para comprar insumos. O superintendente do HC da Unicamp, Dr Antônio Gonçalves de Oliveira Filho, declarou que seu estoque de remédios usados em pacientes intubados é suficiente para seis dias.
Defensor de um lockdown para conter disseminação da doença, o epidemiologista Dr André Ribas Freitas sugeriu uma parceria com as empresas de transporte para viabilizar a ida e a vinda de funcionários que trabalham na saúde. Ele justificou que como a transmissão desta nova variante do vírus está 60% maior que no ano passado, o isolamento precisaria acompanhar esse mesmo crescimento. “Na minha avaliação, o lockdown é inevitável”, diz.
O coordenador do Departamento de Infectologia da SMCC, Dr Rodrigo Angerami, destacou que não é possível prever até quando vai o colapso e que apenas abrir novos leitos não controla a transmissão. “Nós vamos ter que ter movimentos concomitantes para interromper a transmissão e dar vazão ao contingente de infectados que se avolumou”, afirma.
O diretor comercial e de marketing da SMCC, Dr Marcelo Amade Camargo, que foi o moderador do encontro, avaliou que a região enfrenta hoje consequências de más políticas em saúde, como as praticadas por algumas cidades, principalmente as menores, que, no passado, não investiram para organizar um sistema de saúde. “Hoje a gente sofre consequências de políticas passadas da área de saúde em que cidades menores, por exemplo, não se preocuparam em investir na sua própria estrutura de saúde, e o investimento, muitas vezes, era comprar uma ambulância para levar pacientes para cidades vizinhas. Em uma situação dessa de caos, esta cidade não consegue oferecer um atendimento mínimo, com dignidade, para seus cidadãos, que são pagadores de impostos”, critica.
Diante das dificuldades apresentadas pelos hospitais nessa crise, Camargo aproveitou para fazer um esclarecimento. “Existem algumas ‘fantasias’ que alguns na população em geral tem, de que leito de UTI é apenas uma cama. Tem toda uma estrutura como rede de gás, equipamentos, insumos; não é só um lugar para o paciente deitar e colocar oxigênio. Você precisa ter toda a infraestrutura necessária. Da mesma forma, alguns falam ‘põe lá qualquer médico’, mas um médico não cuida de tudo. É uma questão de limitação na capacitação, de treinamento. Se você colocar um médico na UTI que não foi treinado para ser um bom intensivista, o desfecho não vai ser bom”, pondera.
A presidente da SMCC, Dra Fátima Bastos, encerrou o fórum e lembrou que estamos vivendo uma “operação de guerra” e que todo mundo tem de se unir. “A classe médica precisa se unir para apoiar as medidas mais restritivas que devem ser tomadas, e também precisamos nos apoiar em relação aos próprios hospitais”, finaliza.
Os relatos e as situações individuais de cada hospital podem ser conferidos no canal da SMCC no Youtube, que tem o fórum gravado na íntegra. O link é https://www.youtube.com/channel/UCI81fQOjNYWbh2bZGMR8RbQ.