O sociólogo chileno Carlos Matus, em seu ensaio Estratégias Políticas, define de maneira interessante os estilos de fazer política. O primeiro é o estilo chimpanzé, ancorado em projeto de poder pessoal, de rivalidade permanente, de hierarquização de forças. Cada protagonista luta para ser o mais forte, o mais poderoso. Luta-se pelo poder como fim, partido contra partido, com foco na micropolítica, longe dos interesses coletivos. O chimpanzé quer preservar sua manada, afastando para longe outros bandos de macacos.

O segundo é o estilo Maquiavel, onde o poder do Príncipe se subordina a um projeto de Estado. Mas um Estado plasmado à luz e à semelhança do Príncipe. Os fins justificam os meios. Tudo é válido para se chegar ao topo. E já a terceira vertente é a de Gandhi, que eleva os valores humanos, da solidariedade, da irmandade, da unidade, da caridade, com o fito de se alcançar a felicidade coletiva.

Puxemos essa modelagem política para o nosso ambiente. Regra geral, os protagonistas ambicionam ascender ao pódio mais alto do poder político. Cada qual quer vencer o outro, mesmo que pertençam a um mesmo bloco do sistema representativo. Agora, tanto Luiz Inácio como Jair Bolsonaro se mostram inclinados a optar pelo modelo Maquiavel, com o personalismo do Príncipe focado em um projeto de Estado, um inclinado à esquerda, outro, à direita, ambos comprometidos em fincar profundamente no solo bandeiras de cortes fortes.

No Congresso, o pragmatismo é o lume da modelagem chimpanzé, a de “o poder pelo poder”. A arma é o voto, com o qual partidos preservam e ampliam territórios, disparando tiros leves e fortes, ameaçando o governo com retiradas de apoio, buscando coalizões. O instinto chimpanzé transparece na conservação da própria espécie (“o fim sou eu mesmo”). O povo? Ah, deixa pra lá.

Já no estilo maquiavélico, o presidente não é o projeto, o projeto é o Brasil. Com um adendo: urge construir a Pátria que o governante pensa ser a que o povo almeja. Todos os meios devem se adequar ao objetivo de Bolsonaro: livrar o Brasil das esquerdas, do PT, do comunismo, das forças que atrasam o país. Todos os meios devem se adequar ao objetivo de Lula: lapidar a Pátria com os matizes do socialismo.

Para tanto, ambos contam com bases, grupos treinados na arte de cortejar, aliados militares, núcleos evangélicos, novos polos de poder criados na sociedade, igrejas, enfim, alas de direita e de esquerda, e, claro, partidos amalgamados e assemelhados. Mas há certa flexibilidade no uso da arquitetura política. Para governar, a conduta maquiavélica faz concessões ao estilo chimpanzé, para que os políticos abocanhem fatias de poder. Já as margens sociais vivem sob a esperança de catar as migalhas que escapam da farta mesa do pão. E os meios da pirâmide – classes médias – têm um olho voltado para o espectro do arco ideológico: centro, esquerda e direita, com suas proximidades.

Como se vê, a democracia é um jogo de cooperação e oposição. É o palco de jogadas entre contrários. No certame de cooperação, as regras são a persuasão, a negociação, os acordos, a busca de consenso. Já no jogo de oposição, procura-se medir forças, confrontar o adversário, provocar tensões, desgastar, impor vontade pela força. O jogo político em nossas plagas acaba de encerrar o primeiro tempo, com a decisão de Edson Facchin, da 2ª Turma do STF, de retirar processos contra Lula na Vara de Curitiba, que considera incompetente para julgar casos que não tenham relação com a Lava Jato. Lembrete: o ministro não entrou no mérito. Lula ainda não está inocentado.

Voltemos ao plano geral. Com olhos em outubro de 2022, Bolsonaro terá a economia, sob Paulo Guedes, como tábua de salvação para atrair os braços das margens sociais. Esse será o busílis. Conseguirá resgatar o bem-estar social que passa pelo crivo da economia? O Bolsa Família e o Auxílio Emergencial serão a cereja do bolo? O povo poderá ter esperança de ver a vitória do bem? Mais: como estará o Brasil em outubro de 2022, com milhões de brasileiros ainda chorando a morte de parentes? (hoje estamos nos aproximando dos 3 mil mortos diários do Covid-19.).

A oração de Gandhi não será suficiente para salvar um país dividido entre Chimpanzé e Maquiavel.

 

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato