Immanuel Kant promoveu revolução na filosofia metafísica e inaugurou de modo decisivo a teoria do conhecimento, a gnosiologia ou epistemologia, tão importantes entre os segmentos do pensamento filosófico de nossos dias. Depois de suas geniais elucubrações na “Crítica da Razão Pura” (“Kritic der reinem Vernuuf”). Após admitir que Hume o havia despertado de seu “sono dogmático”. Verdade e mentira resultaram tão importantes como a especulação sobre a existência ou inexistência de Deus.
Como corolário, a narrativa dos fatos exteriores ou as suposições transcendentes (não transcendentais) perdeu importância ante o sentido lógico “a priori”. Nem descrição nem fé. Coerência com os juízos humanos pré-fabricados.
Ao desencadear essa revolução cognitiva, Kant abriu as portas aos amigos do saber sob o ângulo da teoria do conhecimento ou dos métodos necessários para alcançar-se a verdade. Foi acusado de matar o Deus-metafísico e criar o homem-deus, que passou a ser o “engenheiro da razão” (maschinisten der Vernunf).
Somente com o concurso da própria razão, ajeitamo-nos num mundo que, sem nosso esforço, permaneceria para sempre desconhecido.
O importante à conotação pragmática e o necessário conhecimento do povo sobre a realidade que o cerca, visando civilizar-se transformando a história, é que se empregue um mínimo de lógica para entender até mesmo as versões bradadas num mercadão.
É de somenos, como se tem dito na CPI da Covid-19, saber quem é o interlocutor mentiroso ou canalha, com base nas pedras; uma parte da população acreditará no azul e outra no vermelho. E tudo permanecerá eternamente no negrume da obscuridade reinante.
Resta-nos procurar conhecer, a qualquer preço, a verdade, é dizer, avançarmos para forjar nossa convicção para além da crosta grosseira do verbo que exprime um fato, captando a razão que nos permite ajustá-la à realidade. Se quisermos conhecer os culpados por essa hecatombe sanitária (supondo de que não são apenas o vírus e a natureza), que tombou espinhosamente milhares de nossos compatriotas, detenhamo-nos a meditar nas vozes que ecoaram pela comissão legislativa.
Quando um Ministro afirma que “um manda, outro obedece”, não se trata de uma expressão corriqueira de caserna, lançada aos ventos sem motivos, como quis fazer crer o Sr. Pazuello. Não se tratou de um “obiter dictum” à-toa. Certamente ele havia adotado determinada conduta e seu chefe, Bolsonaro, em sua companhia, o contrariara e determinou que retificasse o que veiculara pelas redes sociais, no sentido de que havia interesse do governo federal em adquirir doses de vacina do Butantã. Somente sob essas explicações sua frase não faz água. E a lógica política ressoa em fatos amplamente noticiados e na habitual sabença do conflito desastrado entre Jair e Dória.
Outra coisa que “não fecha”, para usar-se uma fase habitual de um Ministro do STF que arruma as malas face ao afastamento compulsório, está em que uma carta da Pfizer, cobrando resposta para celebração de um emergente contrato voltado a combater a crise, teria ficado num fosso inútil do Palácio do Planalto por cerca de dois meses, enquanto brasileiros sofriam e sucumbiam. E o sumiço da cobrança não tem autor, embora destinada a cinco integrantes do governo. Reflita-se: se não há responsável, se nenhum deles deixa de refugiar-se sob a escória da mentira, a solução do direito constitucional moderno é simples. Responsabiliza-se o Chefe – princípio da responsabilidade por fato de outrem. Esse tipo de responsabilidade pública deve ser visto com extrema cautela – “cum granus salis” -, ao se constatar que um governante não pode responder por centenas e milhares de servidores que compõem complexas máquinas administrativas. Porém, entre cinco covardes que foram os destinatários da carta, a circunstância justifica que um deles, o presidente, seja responsabilizado.
Sem dúvida o rigor, ainda que moderado, da lógica, não pode guiar a ampla ação da plenitude de um povo. Porém, os formadores de opinião, honestamente, devem guiá-lo, ao iluminar com a razão o sentido dos fatos. Compreendê-los a fundo impedirá que a CPI seja mera peça de um teatro macabro.
* Amadeu Garrido de Paula é advogado, atuando há mais de 40 anos em defesa de causas relacionadas à Justiça do Trabalho e ao Direito Constitucional, Empresarial e Sindical. Fundador do Escritório Garrido de Paula Advocacia.