Muitas das consequências sociais, econômicas e de saúde das medidas de isolamento, necessárias no combate a Covid-19, ainda vão demorar a ser entendidas por especialistas. Uma delas, porém, já é perceptível para muitos: o maior tempo nas redes sociais, em frente às telas e em videochamadas, afetaram a autoimagem de muitos.

Segundo uma pesquisa realizada pela Kantar, só no ano de 2020 no Brasil, o aumento no uso das redes sociais alcançou uma taxa de 40%. A comparação com a aparência de outros usuários e uso de filtros, por exemplo, são apontados como alguns dos principais motivos pelos quais as pessoas têm buscado cada vez mais cirurgias plásticas.

A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) chama o fenômeno de Efeito Zoom. Segundo a entidade, o excesso de contatos por ligações de vídeo e consumo de informações por meio das redes sociais fez com que homens e mulheres passassem a buscar alternativas para reverter as mudanças causadas pela idade.

Quem também percebe o fenômeno é o cirurgião Eduardo Fakiani, que destaca a harmonização facial, série de procedimentos que viraram os queridinhos de famosos, como a bola da vez. Ele afirma, no entanto, que é preciso ter cuidado com exageros. “A obsessão por essa perfeição tem levado pessoas a se submeter a procedimentos que não são seguros, inclusive, alguns caseiros. Nenhuma intervenção deve ser feita fora de um hospital ou com um médico especialista”, alerta o profissional.

O maior tempo nas redes sociais, aliado ao uso de filtros, também pode contribuir para uma visão distorcida sobre si mesmo, comenta o médico. “As pessoas estão muito mais em contato com a própria imagem, fotos e vídeos, do que em outras gerações. Esse contato pode ir criando uma insatisfação que antes não existia, criar um ‘defeito’ que não se percebia. Além disso, ver muito a vida dos outros atrás de fotos e vídeos pode estimular uma insatisfação em relação à própria vida e isso levar para o corpo”, comenta.

O poder da influência

E indo além dos filtros do Instagram, as redes sociais – inclusive o TikTok –  estão inundadas de influências consideradas atrativas pelos jovens, mas também perigosas. Para estarem dentro de um padrão de beleza imposto pela sociedade, vários deles se arriscam nos “tutoriais caseiros”, que podem trazer consequências gigantescas à saúde.

Recentemente, um jovem publicou um vídeo de uma rinoplastia caseira, procedimento que tem o objetivo de reduzir ou afinar o nariz. Durante a prática, ele utilizou álcool 70%, anestésico veterinário e cola instantânea de alta resistência. Após a técnica viralizar, um homem foi internado com ferimentos no nariz após seguir à risca o tutorial.

Já em 2015, o procedimento da vez foi o “desafio Kylie Jenner”, onde os internautas postavam os resultados no Twitter após aumentarem os lábios através de um copo de vidro ou bicos de garrafa com sucção. A técnica deixou diversos adolescentes com hematomas devido ao acúmulo de sangue na região, levando dias para voltar ao normal, e até mesmo manchas na pele.

Para Fakiani, não conhecer sobre a anatomia do corpo e arriscar em procedimentos caseiros que viralizam na internet, pode acabar sendo fatal. “Mesmo em cirurgias feitas por profissionais, complicações podem acontecer. Contudo, quando não se tem ideia das técnicas que estão sendo aplicadas, esse risco aumenta, podendo causar danos permanentes ou até mesmo levar o paciente à óbito”, alerta.

Distorção da autoimagem

Segundo um estudo realizado pela HSR, empresa de análise de mercado que monitora tendências de comportamento, 80% dos jovens de 18 a 25 anos possuem o desejo de realizar procedimentos estéticos ou passar por cirurgias plásticas para melhorar a imagem. Acima dos 40 anos, essa motivação é de 60% e, após os 60 anos, cai para 40%.

Durante a construção da personalidade, as redes sociais podem ter grande impacto na nova geração: a pesquisa demonstra que o desejo de alterar de forma precoce a imagem possui relação com a baixa autoestima, que ocorre em 25% dos jovens da faixa etária. Em 2021, os brasileiros passaram cerca de 5 horas por dia online em aplicativos como Instagram, TikTok, Facebook, entre outros.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, os procedimentos estéticos realizados em jovens de 13 a 18 anos aumentaram cerca de 140%. Dentro do grupo, as mulheres demonstraram maior interesse em passar por mudanças, chegando a 40% mais do que os homens.

Equilíbrio é possível – e necessário

Mas, é possível encontrar o equilíbrio entre o desejo de retoques que colaboraram para a autoestima e saúde mental e o excesso. A geração Z tem muito a ensinar, pois vive no universo digital desde que nasceu. “São jovens que pensam muito mais em cuidado, saúde mental e aceitação, por exemplo. Ao mesmo tempo que as redes sociais podem ser opressivas, elas também oferecem um lugar de aceitação do diferente, do equilíbrio mesmo, de entender que melhorar não é tranformar”, diz o médico.

Um exemplo citado por ele é em relação ao skin care: a geração Z figura entre os maiores consumidores de cosméticos do mundo. Os indivíduos mais velhos dessa geração têm, no máximo, 25 anos em 2022, ou seja, ainda estão longe de apresentarem as primeiras rugas. Mas eles sabem que não existe idade para iniciar uma rotina de cuidados e nos mostram o que a medicina e a ciência pregam como premissa: a prevenção é o melhor caminho, afinal, os danos causados pelos agentes externos se acumulam com o passar do tempo. Nesse sentido, a busca por aconselhamento especializado pode e deve ser sempre incentivada.

“Os jovens da geração Z têm acesso a um arsenal de informações variadas. E, de fato, não há uma receita única que valha para todos de forma massiva. Por isso, mais do que buscar soluções caseiras milagrosas, o principal conselho é que não deixem de consultar um profissional de saúde para endereçar suas questões particulares. Cada indivíduo é único e a sua beleza deve ser respeitada. Se há qualquer tipo de incômodo a ser tratado, existem múltiplas alternativas com respaldo médico científico que podem ser indicados”, frisa Fakiani.

E o cirurgião plástico deixa ainda um alerta final: “É importante que fique claro: sejam os procedimentos não invasivos, ou aqueles que demandam maiores intervenções, como as cirurgias, eles devem ser sempre realizados por um médico capacitado e com experiência comprovada na realização de procedimentos estéticos”.

Sobre o Dr. Eduardo Fakiani

Graduado pela Universidade de São Paulo (Usp) e com mais de 30 anos de atuação como cirurgião plástico, Eduardo Fakiani é membro da Sociedade Brasileira de Medicina Estética e da American Academy of Cosmetic Surgery. Além da clínica que leva seu nome, localizada na rua Groenlândia, 1426 (Jardins), conta com consultórios em Dubai (Emirados Árabes Unidos) e Paris (França). Dr. Eduardo Fakiani atua ainda no Hospital Sirio Libanês e no Hospital Israelita Albert Einstein, ambos em São Paulo.