Na semana passada o Senado do Chile rejeitou o pedido de impeachment do presidente Sebastián Piñera, acusado de conflito de interesses na venda de um projeto de mineração por meio de um paraíso fiscal. O ato foi a repercussão mais recente da investigação jornalística conhecida como “Pandora Papers”, que revelou documentos confidenciais de 14 escritórios de advocacia especializados na abertura de empresas em países como Panamá, Ilhas Virgens Britânicas e Bahamas. Resumidamente, a iniciativa tornou conhecidas as fortunas secretas de algumas das pessoas mais influentes e conhecidas do mundo, incluindo ministros e outras autoridades brasileiras.

Na prática, ao abrir essa ‘Caixa de Pandora’, os profissionais de imprensa conseguiram apenas dar nomes e imagens que tornaram real a sensação já presente no imaginário popular há muito tempo.  Tanto que, ao divulgar uma nota referente ao assunto, o Grupo de Ação Financeira contra Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (Gafi) diz que, ocultar os verdadeiros proprietários de estruturas corporativas, fiduciárias e outras estruturas, e aqueles que as controlam, é uma técnica comum para camuflar lucros ilícitos.

A entidade afirma que mais de 200 países se comprometeram a exigir que suas instituições financeiras e não bancárias, como advogados, contadores e agentes imobiliários, identifiquem e verifiquem as informações de beneficiários finais de empresas formadas ou operando em suas jurisdições. Apesar disso, em mais de 100 avaliações mútuas, foi detectado que apenas um terço dos países possui leis e regulações relacionados à transparência de pessoas e arranjos jurídicos que cumprem os padrões do Gafi. Pior do que isso é o fato de que, segundo o órgão, apenas 10% destas nações tomam medidas efetivas para garantir a transparência da empresa e a identificação da titularidade real de arranjos fiduciários.

Toda essa falta de preocupação com o tema permite que a chamada indústria das offshores  impeça um melhor desempenho, principalmente dos países em desenvolvimento, em relação à qualidade de vida de suas populações. Segundo um estudo realizado pela Rede de Justiça Fiscal (Tax Justice Network), organização independente que faz campanha por mudanças nos sistemas tributários globais, o volume de dinheiro que o Brasil deixou de arrecadar somente em 2020 em impostos não pagos por multinacionais e milionários que fazem uso de paraísos fiscais seria suficiente para viabilizar o Auxílio Brasil de R$ 400 que o governo vem buscando formas alternativas para proporcionar às famílias carentes. 

O mesmo estudo informa que, em todo o mundo, foram perdidos cerca de US$ 483 bilhões (R$ 2,6 trilhões) em impostos no ano passado divididos entre transferências legais ou ilegais de lucros de multinacionais para paraísos fiscais e sonegações praticadas por milionários que escondem ativos e rendimentos não declarados no exterior.

Diante de números tão impactantes, o Gafi faz um verdadeiro apelo por padrões globais mais rígidos, no sentido de promover a transparência das informações de beneficiário final e o uso mais eficaz dessas informações para responsabilizar aqueles que se escondem atrás do véu corporativo ou outras estruturas.

Ao que parece, a inexistência destes padrões se deve muito mais à falta de vontade política do que à escassez de instrumentos que permitam uma claridade maior nos bastidores deste tipo de transação. Existem legaltechs, por exemplo, que trabalham com ferramentas habilitadas para fazer mineração de dados e crawling, permitindo  pesquisar em minutos junto Google, Dados Cadastrais, sites da ONU, OFAC, INTERPOL e outras instituições, apontando com  precisão o envolvimento de pessoas e empresas em casos de fraudes, corrupção, lavagem de dinheiro, terrorismo, crimes ambientais ou emprego de mão de obra escrava e infantil, entre outros problemas.

Não seria nada difícil adaptar estes instrumentos para criar barreiras visando inibir a utilização de fluxos financeiros ilícitos. Essa iniciativa poderia ser uma resposta bem mais rápida  aos desafios da promoção de um crescimento econômico sustentável das nações do que os malabarismos orçamentários que, na maior parte das vezes, são soluções apenas paliativas que acabam gerando  mais problemas do que benefícios. 

* Alexandre Pegoraro é CEO do Kronoos