Diante das gravíssimas denúncias que envolvem Temer, Aécio e “compagnia bela”, os arautos do golpismo trataram de não perder tempo em reafirmar as suas teorias, conclamando mais uma vez o povo a ir às ruas e pedir a renúncia do presidente em exercício. Que Temer deveria renunciar, ninguém discute, a menos que se considerem falsas as gravações do milionário dono da JBS, ou se acreditarmos numa conspiração tramada por petistas radicais
inconformados com a “perseguição” contra Lula! Neste caso, os argumentos, fantasiosos e inconsistentes, repetiriam o raciocínio já gasto, fraco e simplista do eterno golpismo, da eterna conspiração, ora de americanos, ora da Rede Globo. Há quem veja nas histórias em quadrinhos do Pato Donald ou do Mickey uma ardilosa propaganda financiada pela CIA, com o apoio do FBI!
Na verdade, tais teorias da conspiração e do eterno golpismo contra os defensores dos fracos e oprimidos (ou contra a democracia, contra a família e a propriedade, de acordo com o contexto histórico) escondem nossa imaturidade política. Embora respeite e compreenda perfeitamente os nobres propósitos de certos jornalistas e estudiosos, não concordo com os que defendem, aqui e no exterior, a nossa suposta e tão almejada maturidade política. A operação Lava Jato e outras mais apenas refletem apenas o trabalho árduo e eficaz de alguns magistrados e da Polícia Federal.
Infelizmente, o que se vê na mídia, em parte do ambiente acadêmico e artístico e, sobretudo, nas opiniões veiculadas pelas redes sociais, com honrosas exceções, é o fanatismo típico de torcidas esportivas transposto para a análise política, o que não constitui apenas uma atitude irresponsável, mas também um possível e perigoso pretexto para que salvadores da Pátria entrem em ação, mobilizando, se preciso for, as Forças Armadas, como já ocorreu num passado não muito distante.
Incrivelmente, quem ainda se refere ao suposto golpe deixa de considerar que tanto os deputados e senadores supostamente golpistas como a chapa Dilma/Temer foram eleitos pelo povo. Temer já foi útil para Dilma quando o PT visava à perpetuação no poder por meio de alianças com o que há de mais retrógrado nos partidos “liberais” e “conservadores”. Dilma já foi útil a Temer quando, sozinho, o PMDB não poderia chegar ao poder, sendo necessária uma aliança com os outrora “radicais petistas”, rapidamente (e convenientemente) elevados à categoria de amigos no combate comum contra a injustiça social.
Há que se considerar, claro, a escassa conscientização e a baixa capacidade de discernimento da maioria da população na hora da escolha dos seus governantes, além da influência enorme da mídia, mas estes fatores não desvalorizam o único processo, por mais relativo e inconstante, de uma alternativa democrática a formas de governo baseadas na concentração do poder em um único homem ou num punhado de homens.
A visão maniqueísta que separa mocinhos de bandidos, defensores dos operários e dos agricultores sem terra dos cruéis industriais e latifundiários, há muito deixou de ser uma lente adequada com a qual se pode observar um quadro político tão complexo de um país como o nosso, ainda imaturo e com baixíssimo nível de escolaridade. O momento requer domínio das paixões e lucidez na análise dos acontecimentos. Não há espaço para revanchismos ou pequenas vinganças pessoais, pois o vazio de poder que se estabelece nessa polarização radical pode facilmente ser preenchido por aventureiros, mesmo que sejam aventureiros habilitados pelo voto popular, tão sujeito ao calor do momento e à influência midiática, tão propenso a soluções drásticas e pouco lúcidas.