Conviver com loucos, crianças, imigrantes, plantas, animais, enfim, não comparando, mas destacando tudo o que pulsa e funciona de forma surpreendente, nos remete ao território da imprevisibilidade. A curiosidade, o medo, o interesse que um estrangeiro nos desperta, assim como os comportamentos dos loucos e das crianças, as demonstrações de afeto da língua de um cão, tudo o que pulsa pode também trazer repulsa. Mas certamente traz aprendizagens.
Mudanças no modo de pensar quando um parente enlouquece, a mudança na decoração para a chegada do bebê, os movimentos de um pet; isso é revolucionário. Nos mostram que todas as estratégias de controle, de dominação e de planejamento tem seus limites.
Para os grandes poderes já estabelecidos isso é muito perigoso. Dá para entender a correria de Trump com a história do muro. Os muros de separação interessam muito para os milionários. Assim eles vão continuam milionários, oras! Afastar a pobreza é uma estratégia. Que não muda a situação de pobreza. E nem a de riqueza.
Quando desconfiamos da eficiência dos muros estamos falando do direito à convivência com a diversidade. Entendemos a complexidade de se estar em contato com o que nos surpreende e até nos decepciona. Não negamos as dificuldades e a mobilização que tais contatos despertam. Além do risco, é claro. Contudo, entendemos que é inteligível desejar sair do mundo desinteressante e adoecedor da previsibilidade e do controle. O muro do condomínio afasta os pedintes, enquanto nos prende dentro dele.
Se ninguém quer a pobreza perto de si porque fechar os olhos se, por mais alto que seja o muro, o sofrimento vai continuar a existir do outro lado? E se um dia a vida nos jogar desse outro lado?
Na tentativa de fazer um encaixe sem sobras transformando gente em pastilhas de revestimento, as instituições fornecem respostas às demandas sociais de uniformização, homogeneização e disciplina para alcançar objetivos materiais. Mais do que agentes de formação, às instituições também adicionamos o status de agentes de deformação. Mas sobre essa segunda parte poucos conseguem falar.
A insensibilidade diante do sofrimento dos outros pode ser considerada uma deformação.
Porque não desenvolver uma rede de cuidados interessantes que não prescreva o confinamento? Há de se salientar que a institucionalização se mostrou com efeitos mais deformadores do que formadores. O enrijecimento numa rotina, a falta de liberdade de ir e vir, as violências sigilosas… Qual o efeito das creches, em período integral, desde os quatro ou seis meses de vida? Qual o legado de se viver dentro de um manicômio? A pessoa que sai de uma clínica de reabilitação isolada no meio do mato sai reabilitada a quê?
Daí podemos ampliar a ideia e perceber a necessidade dos empresários de se evitar ao máximo o nosso contato com o sofrimento. Vai que a gente resolve agir e questionar alguma coisa. As fraldas, vômitos e choros insistentes afastadas de nós por meio das creches integrais. Vamos institucionalizar as crianças para o bem do futuro delas. Mas, e o presente? Está valendo a pena entregar o filho bebê para uma instituição criar e reencontrar ele só nas crises da adolescência?
Também vale lembrar do direito legal de uma família de dependente químico se cercar de alívio quando seu familiar se torna alvo da internação compulsória; o juiz age quando o médico discorda da família. O quanto acalma tratar meramente a consequência do abuso da droga e não as suas causas! Isso também pode valer para o portador de patologia mental mantido à distância, envolvido em atividades de cuidado – e contenção – pelo setor de saúde.
Quando falamos de humanização de uma instituição e ou de uma prática profissional, devemos lembrar do quão ainda há de desumano dentro da construção do que é observado. As instituições são aquelas instâncias que barram as trans-formações. Os muros barram as trans-formações. São formações, mas não tem nada de trans.
Ficar sempre dentro do próprio quadrado deixa a gente quadrado demais.
E sabemos que ser quadrado significa perder a novidade, não despertar mais o interesse por ser alguém sempre igual. As formas quadradas não se movimentam com a mesma facilidade das redondas, quadradinhos se encaixam facilmente, mas são tão difíceis de se transformar…
De que forma mesmo são os muros?