A pedido do NM, Erika Vegners, advogada no processo de guarda de um gambá em Americana, movido por Keyla Antoniassi, comentou a ação que pode ser considerada inusitada.
Abaixo o relato que ela fez nesta terça-feira.
A primeira coisa que se precisa saber é que esse animal não provém de tráfico de animais silvestres. A tutora, Keyla Antoniassi, não o obteve de maneira ilegal, não cometendo assim nenhum crime, e isso, desde o início, foi reconhecido pelo juiz do caso. Ela assumiu os cuidados da gambá, porque a mãe havia sido morta, deixando a filhote órfã. Ao fazer isso, atuou protegendo o animal, que, destaque-se, não se tornou seu animal de estimação.
A gambá foi tratada sob orientação veterinária especializada, o que também envolveu, além de medicação e suplementos alimentares, adaptar o local onde vive a condições em que ela possa se exercitar, na medida de suas limitações, tomar os banhos de sol que precisa, ter espaço para sua locomoção, por exemplo. Quando a gambá foi encaminhada pela polícia ambiental ao centro de triagem, na cidade de Barueri, que contava, à época, com cerca de 900 outros, a tutora entendeu que seria inviável o animal ter ali o cuidado intensivo e adequado às suas necessidades, como ela vinha fazendo. Não porque o CETAS é negligente, mas simplesmente porque a demanda é muito alta e a Keyla tinha como dar uma melhor qualidade de vida para a gambá.
Então, o pedido judicial de guarda da gambá teve esses fatos como ponto de partida, com respaldo em todas as provas necessárias, exames, laudos, relatórios, prescrições médico-veterinárias, fotos, vídeos e testemunhas. Tudo isso, já no ano de 2019, possibilitou ao juiz se convencer de que a gambá teria melhores condições de vida aqui, com a tutora. Por isso, concedeu nosso pedido liminar para que a gambá seguisse, de imediato, sob os cuidados da Keyla, que espontaneamente, informava ao juízo as condições de saúde do animal.
Então, agora em 2021, esse entendimento se confirma agora, na decisão judicial final, em que a guarda da Catarina foi mantida, devendo permanecer em definitivo com a tutora Keyla. O desfecho da questão se dá sob dois prismas. O primeiro, é o da teoria do fato consumado. Isso significa que, após o decurso de todo esse tempo, a situação da Catarina, que já vinha amparada pela primeira decisão judicial, se mantém de forma que já não faz mais sentido ser retirada da tutora e enviada ao CETAS. Uma alteração a essa altura geraria instabilidade desnecessária, especificamente para esse caso.
O segundo prisma é quanto à interpretação da legislação. Para além da interpretação literal da lei, para além da ótica estritamente legal, se faz necessário buscar também qual é o objetivo da lei, qual sua finalidade. E mais. Não apenas de uma determinada previsão legal, mas em sua relação com todas as demais legislações, primordialmente, a Constituição Federal. No caso em questão, o objetivo não é outro senão a melhor
proteção do animal, o que vimos aqui alcançado.
Temos diante de nós uma nova realidade, na qual a consciência ecológica vem sendo pouco a pouco colocada em prática cada vez mais por outros setores e grupos da sociedade. O mesmo se dá em se tratando das pessoas que, individualmente, assumem seu papel, como foi o caso da Keyla. A transferência do cuidado de animais a tutores engajados vem tomando cada vez mais corpo. São tutores que se disponibilizam a cuidar de animais não como animais de estimação, mas como animais silvestres que estão impossibilitados de retornar à natureza, e que podem, por meio de cuidados individuais, terem maior bem-estar.
No caso da Catarina, o que discutimos no processo foram as condições legais em que a tutela pode se dar na prática. Para mim, pessoalmente, eu digo que eu sei o que é estar no lugar da Keyla, precisando de alguém abrace sua causa e lute por ela, especialmente quando nós não temos mais forças pra lutar. Para mim, Catarina e Keyla agora estão bem, definitivamente.