O movimento 4 Day Week, que promove uma mudança no mercado de trabalho global e cria programas de teste para empresas implementarem a semana de quatro dias em suas operações, foi fundado em 2019. Com a pandemia, essa discussão se expandiu substancialmente, ganhando novos termos ao longo do tempo, como “short friday”, que indica a saída mais cedo do trabalho nas sextas-feiras.

De um lado, defende-se um maior equilíbrio entre vida profissional e pessoal, e o uso inteligente das tecnologias para sustentar a transformação. Do outro, companhias apontam preocupação com a perda de produtividade e impactos negativos na economia.  Segundo pesquisa da consultoria de saúde Mercer Marsh Benefícios, que ouviu 850 grandes e médias companhias nacionais e multinacionais em 2023, 78% das empresas oferecem alguma flexibilidade. Juntas, o grupo de empresas participantes da pesquisa emprega 4 milhões de pessoas no Brasil.

“Essas questões são válidas e devem entrar no debate”, conta Andréa Migliori, CEO da Workhub, uma HRTech de soluções para portais corporativos pioneira no segmento a incorporar inteligência artificial aos seus serviços. “Só tem um detalhe: elas não são novas, assim como toda a conversa, em si, não tem nada de novidade”.

Migliori se refere a outros momentos da História mundial em que a jornada de trabalho foi reduzida. Um estudo do economista estadunidense Robert Whaples para a Associação de História Econômica, que demonstra a evolução das horas trabalhadas nos Estados Unidos, indica que era comum trabalhar mais de 70 horas por semana até meados do século XIX. No Brasil, também há exemplos, como a primeira legislação trabalhista, de 1891, que estabelecia uma jornada diária de 12 horas para os trabalhadores das indústrias e das ferrovias — o que ainda assim não acontecia na prática por falta de fiscalização. Mais tarde, nos anos 30, veio a máxima de 8 horas por dia e 48 horas semanais, e depois, em 1943, a CLT estabeleceu as 44 horas por semana para a maioria das pessoas.

“Já faz mais de 80 anos desde que foi definido o padrão que ainda seguimos. É indiscutível que muita coisa mudou de lá para cá e que os tempos são outros, então não é realmente uma surpresa que o debate tenha sido reacendido. Se não fosse a pandemia trazendo-o à tona, provavelmente teria sido outra situação, como o avanço repentino da inteligência artificial, que otimiza o tempo de milhares de profissionais”, comenta Andréa.

A discussão se conecta com os temores sobre a tecnologia assumindo postos e deixando as pessoas desempregadas. O movimento de redução da jornada propõe o contrário: que as novas ferramentas podem tomar conta de certas tarefas e, assim, os profissionais podem concentrar seus esforços em outras demandas sem perda de salário, uma vez que a empresa pode cortar outros custos com o auxílio tecnológico.

Migliori, porém, faz uma ressalva: “Não podemos esquecer que as mesmas respostas não funcionam para todos os contextos. Nosso mercado de trabalho é muito amplo e complexo para conter apenas um modelo. É só pensar no outro tema que também não sai mais da boca do povo, o ‘remoto versus presencial’. Há empresas atuando das duas maneiras, e também de forma híbrida, e cada uma define o que faz mais sentido para sua própria operação”.

Em outras palavras, a CEO resume que a questão não é se a redução da jornada vai ou não acontecer, mas sim que ela pode acontecer dentro de várias conjunturas diferentes, assim como pode não funcionar tão bem em outras por enquanto. É uma visão compartilhada inclusive por Renata Rivetti, realizadora do projeto 4 Day Week no Brasil, que afirma que as tentativas de mudança começam em profissões mais “intelectualizadas” e ainda não devem alcançar o trabalhador de base a princípio.

De uma forma ou de outra, a busca pela transformação do trabalho está longe de acabar. “Nós temos a tecnologia, temos um mundo de profissionais dedicados e estamos sempre criando métodos inovadores de trabalho. Essa combinação garante que a discussão não só é inevitável como está apenas começando”, conclui Andréa.