O último levantamento do Atlas da Notícia, divulgado neste ano, trouxe um alento a quem luta pela sobrevivência do jornalismo local e pelo acesso à informação. Aos poucos, estamos conseguindo hackear o sistema e reduzir os chamados desertos de notícia. A quantidade de cidades sem nenhum veículo de comunicação caiu 5,9% em relação aos dados coletados em 2019.

Para quem já viu de perto o impacto do jornalismo local, é massa saber que têm surgido cada vez mais veículos digitais, o que aumenta a chance de uma cobertura diversa e inclusiva. Mas quem trabalha com jornalismo local há muitos anos também sabe que só os números não bastam. Fazer jornalismo nos territórios, distante dos grandes centros metropolitanos, sem o mesmo prestígio e dinheiro, é vivenciar uma rotina de obstáculos, pressões e submissão a riscos, sem o amparo de uma grande corporação de mídia e sem os olhares atentos dos colegas de classe.

Lidar com a produção de notícias em cidades pequenas – ou nas quebradas e favelas das metrópoles – é, como escreveu Carlos Castilho em artigo no Observatório da Imprensa, “uma atividade de alto risco”. A proximidade com o algoz, seja ele político ou comercial, torna o exercício da profissão – naquele conceito clássico de denunciar o poder – “uma utopia”, definiu José Arantes, jornalista, sociólogo e dono da Folha da Região, a única publicação impressa da cidade de Olímpia (SP).

“Carta Aberta de um jornalista angustiado e ameaçado”

José Arantes trabalha há 47 anos como jornalista em Olímpia. Mantém há 42 anos o semanário impresso e também preside uma rádio comunitária, no ar desde 2013. A produção jornalística de José é feita quase dentro de casa. O jornal e a rádio funcionam no térreo do imóvel onde vive com a neta, de 8 anos, e a esposa. Ao longo da vida profissional, ele conseguiu o respeito de autoridades locais e apoio de anunciantes. Sempre soube que a única defesa, contudo, era a caneta. Até já havia sofrido ameaças há 30 anos, mas nunca da forma que aconteceu no último dia 17 de março.

Depois de uma sequência de micro ataques – ter o site derrubado, o carro perseguido e sofrer ameaças por redes sociais – José acordou de madrugada com a casa coberta por fumaça. Como contado nesta matéria do jornalista João de Mari, que passou pelas formações da Escola de Jornalismo da Énois entre 2018 e 2019, incendiaram o jornal e, em consequência, a casa do jornalista.

Jornalismo local vulnerável

Que o jornalismo vem sofrendo cada vez mais ataques no Brasil, já sabemos. O ano de 2020 foi o mais violento para nós desde que a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) começou a monitorar os casos, na década de 1990. O que muitas vezes não é observado como deveria é que, nessa equação, é o jornalismo local e feito nas periferias, o mais vulnerável aos ataques. Não à toa, Lourenço Veras, conhecido como Léo Veras, e Edney Menezes, os dois jornalistas assassinados no país no ano passado, atuavam em cidades com menos de 100 mil habitantes.

Em busca de respostas a quem o agrediu, José fez uma carta aberta onde exala frustração. “Fazer jornalismo em cidades pequenas não é fácil. É um sacerdócio. Ou você agrada, fala bem da sua cidade, ou vai ser odiado por todos. Sofre pressão econômica, intimidação e uma série de outras coisas”, nos contou. Para tentar sobreviver, José optou por uma vida reclusa com a família. Só não imaginava que, algum dia, o risco chegaria até a própria casa. Agora se pergunta de que adiantou se formar em direito, filosofia, sociologia e pedagogia, se não consegue proteger a neta de 8 anos nem dormir mais de uma hora por noite, sem sentir medo de ter a casa incendiada novamente.

“É o desabafo de um jornalista, advogado, professor de filosofia e sociologia, que mesmo com todo o conhecimento adquirido ao longo de seus 62 anos, se prostra inerte, se sente incompetente, impotente, descrente, sem condições mínimas de garantir os mais precários conceitos de dignidade para sua própria família”, escreveu em sua carta aberta.

Como se proteger (ou como podemos protegê-los)?

A garantia de proteção aos jornalistas locais é uma questão humanitária, de luta pela liberdade de expressão e também de defesa do jornalismo diverso. Se queremos pluralidade, não adianta só inserir a palavra diversidade dentro das grandes corporações de mídia. Temos que pensar em como garantir segurança a quem não trabalha com suporte financeiro, comercial e jurídico. A quem não recebe, muitas vezes, os mesmo aplausos nem pode se dar ao luxo de fazer grandes investigações. Se você é jornalista ou gestor de redação local, deixo aqui algumas dicas de como se proteger e proteger a sua equipe. Se você topa pensar em soluções, fica aqui o meu convite.