Haja terra para cobrir o buraco em que se encontra um país que nem se livrara, ainda, da recessão dos tempos de pré-pandemia. Como preencher a gigantesca lacuna, agravada nesse ciclo de enfrentamento da crise econômica (que se arrasta desde 2015), cujos recursos têm sido desviados para combater a pandemia do Covid-19? Se as novas toneladas de terra para tapar o buraco mexerem com o bolso dos consumidores na forma de um imposto que lembre a malfadada CPMF, conforme intenciona o ministro Paulo Guedes, a vaca irá logo ao brejo, inviabilizando a escada política em que tentará subir uma leva de candidatos comprometidos com o status quo.

O fato é que o país se encontra em recessão, com empresas autorizadas a suspender contratos, diminuir jornadas e reduzir salários, expandindo a massa de inativos e com apenas 83,7 milhões de brasileiros ocupados de um total de 170 milhões em condições de trabalhar. Alguém terá de pagar a conta logo nesse momento que aponta para o empobrecimento da população pós-pandemia. Parcela forte das margens sociais já padece de fome. O vírus se alastra do centro para as margens, abrindo um rastro de destruição e inaugurando a casa dos 2 milhões de contaminados.

O governo se vê diante de um impasse: arrumar recursos para poder cumprir tarefas de seu cotidiano em áreas fundamentais – saúde, educação, segurança, mobilidade urbana, programas de infraestrutura – e, ao mesmo tempo, alongar os braços sociais, com meios que possam garantir a sobrevivência de contingentes carentes. O auxílio emergencial será passageiro e Guedes afirma que o governo não tem caixa para bancar a fortaleza social. O que fazer?

Pelo andar da carruagem, será difícil que ela chegue nas localidades em condições normais. Veremos cavalos trôpegos, cansados e famintos. E não será recebida com festa pelas populações que irão às urnas em 15 de novembro. Todos os corpos da pirâmide social se encontrarão abalados pela catástrofe perpetrada pelo maldito vírus. Vejam o tamanho do impacto. As margens necessitadas, caso não disponham de ampla rede social, tendem a despejar sua revolta sobre aqueles que tem mexido no caldeirão da crise. Ainda mais se o desemprego continuar a fazer sua ronda persecutória.

A seguir, emergirá o vulcão das classes médias, aqui no plural, pela distinção entre uma classe média alta (A), uma média-média (B) e uma classe média mais necessitada (C). No seu interior, fervilham adjetivos e substantivos de todos os tipos, dos mais baixos aos mais altos, versando sobre a corrupção na política, a roubalheira, a má gestão dos serviços públicos, a relação entre autoridade pública e endemoniados. São esses grupamentos que dispõem de maior capacidade de expressão, exercendo liderança sobre núcleos e setores. Arrastam consigo as turbas ignaras e dispostas a mudar o feitio da política.

É nesse sentido que a economia puxa a política. Comparemos a economia como a locomotiva que puxa os vagões das classes. Se emperrar ou correr em ritmo muito lento, criará balbúrdia e revolta nos passageiros. E essa revolta sinaliza nas urnas um voto discordante, dado a um candidato que encarne o espírito da indignação. É oportuno, ainda, lembrar a equação com a qual tento explicar a índole das massas. Parto dos quatro mecanismos, também chamados instintos, avocados por Pavlov, dois voltados para a sobrevivência/conservação do indivíduo e dois ligados à conservação da espécie: o combativo, o nutritivo, o sexual e o paternal.

Pois bem, os dois primeiros explicam o sentido de luta do ser humano para sobreviver, a luta contra as intempéries da natureza, a luta contra ameaças de outra pessoa, enfim, o combate por boas condições de vida. O segundo instinto apela para a comida, os insumos necessários à vida. Os dois últimos abrigam atos e valores voltados para a preservação da espécie, o sexo (perpetuação da espécie) e o paternal/maternal (amor, carinho, amizade, solidariedade). Valho-me do segundo, o nutritivo, para compor a equação que cai bem na política: BO+BA+CO+CA = BOlso cheio, BArriga satisfeita, COração agradecido e CAbeça mandando votar no protagonista que proporcionou a geladeira cheia.

O teste das urnas passa pelo vestibular da equação acima. Quem for reconhecido como esse candidato terá chance de chegar ao pódio da vitória. Os altos figurões da administração – Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, o governador do Estado e o prefeito – estão na linha de frente conduzindo a locomotiva. Isso vale para hoje e para 2022. Se a locomotiva for daquelas antigas, uma Maria Fumaça, pode faltar lenha no meio da jornada. Parada nos trilhos, sem fumaça e sem esperança de chegar ao destino, os passageiros só terão uma alternativa: virar as costas a candidatos sem lenha e andar a pé até a próxima estação.

 

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato