Do discurso à ação: o desafio da COP30
Dimas Ramalho
Neste mês de novembro, o Brasil sediará a COP30, em Belém do Pará. Será a primeira vez que a Amazônia, região central para o equilíbrio climático global, abrigará uma conferência das Nações Unidas sobre mudança do clima. O simbolismo é evidente: o maior bioma tropical do planeta, que presta serviços ambientais essenciais e concentra parte decisiva das emissões nacionais, será o palco onde o mundo tentará encontrar uma saída para a crise que ameaça o próprio equilíbrio da vida.
Entretanto, o evento também expõe um dilema que acompanha todas as Conferências das Partes (COPs) desde a primeira, em 1995: o desarranjo climático é um problema que ultrapassa fronteiras, e por isso só pode ser enfrentado coletivamente –mas é justamente essa necessidade de ação conjunta que torna as negociações tão lentas e complexas.
A história das COPs, contudo, não deixa de representar um esforço notável de governança internacional. Elas nasceram do espírito da Rio-92, quando líderes de todo o planeta decidiram criar a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Desde então, cada reunião anual é um capítulo do mesmo enredo: a tentativa de coordenar, em escala planetária, uma resposta a uma crise que desafia fronteiras, economias e ideologias.
O Protocolo de Quioto, adotado em 1997, foi o primeiro marco: nele, os países desenvolvidos assumiram metas obrigatórias de redução de emissões, inaugurando um regime climático com caráter jurídico. Em 2015, a COP21 em Paris reformulou o sistema: em vez de metas impostas, cada país passou a definir seus próprios compromissos –as chamadas NDCs–, num pacto que buscava combinar ambição global e flexibilidade nacional. O Acordo de Paris estabeleceu o objetivo coletivo de manter o aquecimento global “bem abaixo de 2 °C” e perseguir o limite de 1,5 °C, na comparação com os níveis pré-industriais.
Esses avanços moldaram uma nova gramática internacional. Hoje, termos como “neutralidade de carbono”, “transição justa” e “financiamento climático” fazem parte do vocabulário político global. As COPs transformaram o clima em assunto de Estado, atraindo governos, empresas e sociedade civil para a mesma mesa. Contudo, três décadas depois, a distância entre compromissos e resultados continua alarmante. O mundo já aqueceu cerca de 1,3 °C e as promessas nacionais atuais colocam o planeta em trajetória de aquecimento superior a 2,5 °C até o fim do século. O compromisso de mobilizar 100 bilhões de dólares anuais para apoiar países em desenvolvimento ainda não foi plenamente cumprido. A cada edição, o ritual se repete: declarações ambiciosas, progressos parciais, impasses persistentes.
O problema é estrutural. A crise climática é o exemplo mais claro de um desafio coletivo em escala planetária. Nenhum país pode agir isoladamente, mas cada um responde a suas próprias pressões econômicas, políticas e sociais. As responsabilidades são comuns, mas diferenciadas: os países ricos emitiram mais e por mais tempo; os emergentes ainda buscam crescer e reduzir desigualdades. Essa assimetria torna a cooperação difícil e o consenso, frágil. As negociações da COP refletem esse embate permanente entre justiça e pragmatismo: quem deve fazer mais, quem deve pagar mais, quem deve começar primeiro.
Além disso, o próprio formato das conferências impõe limites. As decisões precisam ser tomadas por consenso entre quase duzentos governos, o que transforma cada avanço em uma maratona diplomática. O resultado costuma ser um equilíbrio instável: textos cuidadosamente calibrados para agradar a todos, mas fortes o bastante apenas para manter o processo em movimento. Ainda assim, esse processo é indispensável. Sem ele, não haveria sequer um espaço de convergência global sobre o tema. As COPs, com todas as suas imperfeições, são o que o mundo tem de mais próximo de uma governança climática.
A COP30, em Belém, insere-se nesse contexto com peso particular. Realizá-la na Amazônia significa trazer a discussão para o território onde a mudança climática é vivida em tempo real –nas queimadas, nas secas, nas cheias, no impacto sobre comunidades locais. Para o Brasil, será um teste e uma vitrine. O país chega ao evento com metas de reduzir a zero o desmatamento até 2030 e ampliar o uso de energias limpas. Mais do que metas, porém, o que se espera é coerência: a demonstração de que é possível conciliar desenvolvimento econômico, inclusão social e conservação ambiental. Se conseguir fazê-lo, o Brasil poderá exercer uma liderança legítima, baseada em exemplo e não apenas em discurso.
A conferência deste ano também poderá medir o grau de maturidade da diplomacia climática internacional. O Acordo de Paris estabeleceu um mecanismo de revisões periódicas de metas, e Belém marcará um novo ciclo de compromissos nacionais. O desafio é que esses compromissos se tornem mais ambiciosos e, principalmente, mais críveis. Para isso, será necessário ampliar o financiamento climático, definir regras claras para os mercados de carbono e fortalecer a transparência na execução das metas.
A COP30 chegará, portanto, carregada de simbolismo e expectativa. O desafio será romper o ciclo da promessa e inaugurar o tempo da ação. Não se trata apenas de salvar florestas, reduzir emissões ou criar fundos. Trata-se de redefinir a forma como o mundo entende cooperação, responsabilidade e futuro. A Amazônia talvez seja o cenário ideal para lembrar que o clima é o único bem verdadeiramente comum. Se Belém conseguir inspirar um novo ciclo de confiança e cooperação, a conferência poderá marcar um ponto de inflexão. E, quem sabe, a majestosa floresta que abriga o encontro possa, finalmente, respirar aliviada.

Dimas Ramalho é vice-presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo
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