Lima Barreto, o escritor, desiludido com a República, observava que o cenário político da então nova forma de governo constituía um ???paraíso das mediocridades??? e os políticos espelhavam ???uma seleção natural invertida???. De fato, saída de um golpe militar, sem contar com o apoio decisivo do povo e sem promover rupturas substantivas com o passado, a República, invertendo a parábola cristã, deitava vinho velho em odre novo; modificava a forma exterior e preservava toda a substância anterior, eivada de ranços patrimonialistas, elitistas e de viés excludente.
 Também Sérgio Buarque de Holanda, em páginas que se tornaram clássicas sobre a formação social brasileira, apontava, nos anos de 1930, o problema que atormentaria a nossa vida política e seria determinante para o nosso atraso: a confusão entre os domínios do público e do privado, a edificação de um sistema político e administrativo que se apresentava, na prática, como que de interesse particular dos ocupantes de cargos e funções, sendo quase que uma ofensa a eles dirigida o reclamo de respeito à Lei e ao seu caráter impessoal. O momento hoje vivido pelo país reitera certa intepretação de nossa história social e política, segundo a qual a República seria uma obra inacabada por conta dos desvios da formação. Nesta, o caminho adotado, privilegiando a classe condutora e dirigente, resultou numa modernidade incompleta e deformada, num povo pobre e impotente, e num futuro repleto de incertezas. Muitas delas, sem solução possível pelos meios políticos e institucionais vigentes. Recém-saído do impeachment de mais um presidente, atormentado pela gravidade da crise econômica, política e social, o país assiste o presidente fazer vista grossa aos arroubos patrimonialistas de seu ministro chefe da Secretaria de Governo. Não bastasse, na Câmara dos Deputados, em meio às denúncias de práticas ilícitas que envolvem políticos de todos os partidos e que chegam dia após dia aos cidadãos, especula-se sobre uma trama cujo sentido não é outro senão anistiar malfeitores, sujeitos que se locupletam à custa do trabalho alheio. Todos sabem dos imensos desafios que pesam sobre o governo do presidente Michel Temer. Não é segredo, também, que a política se faz com políticos. E estes últimos são os que estão aí. ?? preciso, entretanto, para estabelecer a confiança da população em uma série de medidas urgentes e necessárias para a recuperação econômica e social do país, que os republicanos que compõe o governo ??? e os há! -, entre os quais se inclui o próprio presidente, sinalizem firmemente que não aceitam a reposição das práticas do passado, que tanto mal causaram ao país e ao seu povo. A hora exige imagens virtuosas, capazes de animar um sentimento cívico em torno de um projeto de nação que tenha na sociedade civil -nos cidadãos, portanto- os protagonistas. Que os promotores denunciem, os advogados defendam e os juízes julguem; mas que os políticos façam o possível pela grande política. ?? por esse meio que se chegará ao bem-comum. ?? possível, é imperativo, é necessário! Rogério Baptistini é professor do Centro de Ciências Sociais da Universidade Presbiteriana Mackenzie e está disponível para entrevistas.