Por padre Luís Rodrigues Batista

O cenário é de dor e sofrimento. Um ano de pandemia e algumas constatações. As estatísticas apontam o número de infectados, recuperados e falecidos. Junto a essa realidade, o colapso no sistema de saúde por falta de vagas em hospitais e pela escassez nos estoques de insumos e medicamentos. As últimas semanas enfrentamos os piores momentos até agora, apontados pelos óbitos. Além da doença, as consequências na economia: muitos postos de trabalho foram extintos, o empobrecimento crescente e o mapa da fome dando sinais fortes de que o desafio é grande e o poço é fundo. A esperança é que tudo isso irá passar, sairemos com vida, apesar das saudades de mais de 300 mil brasileiros que partiram.

 

A saúde mental também é atingida. As angústias pessoais e sintomas depressivos pesam no dia a dia e inspiram os nossos maiores cuidados no necessário afastamento social. Ninguém está isento de sofrer, nem idosos, nem adultos, nem jovens ou crianças. O momento exige atitudes solidárias. Não é bom enfrentar essa estrada sozinho. É louvável a iniciativa e estratégias para nos sentir próximos uns dos outros. As redes sociais podem ser uma aliada e podemos usá-las para o entretenimento, as pesquisas sobre curiosidades, estudos e trabalhos, como também para orações em grupos de familiares ou amigos, partilhas das atividades etc.

 

O importante é ressignificar o momento existencial na busca de superação. Depois dessa dificuldade, temos de acreditar que vamos nos tornar diferentes e melhores. Que bom se houvesse o desejo de transformar as dificuldades em oportunidades para nos conhecermos mais e nos colocar abertos para acolher os outros. Que o afastamento social nos torne cheios de saudades para irmos nos abraçar quando for o momento oportuno.

 

Mas, a esperança de vencer essa batalha cresce à medida que vamos nos aproximando das vacinas. Ser vacinado parece um novo nascimento. Dá gosto de ver postagens de fotos e vídeos de pessoas sendo vacinadas. Aquelas cenas são como receber um diploma, um passaporte que dá aval para continuar vivendo. Que se apresse o dia em que a maioria, senão todas, receba a senha que dá acesso à vida com saúde! Viva a ciência, um aplauso àqueles que se dedicam de modo sistemático para que a vida seja curada e protegida. Além da imunização à COVID-19, ter acesso à vacina logo irá significar cidadania, ter direito para viajar, para trabalhar, para viver.

 

Um desafio que temos que enfrentar é a realidade da fome. É notório o número de pessoas com dificuldades para sustentar a si e seus familiares, sobretudo as mulheres que sustentam a família e muitos idosos que são arrimos de filhos e netos. Nas desigualdades sociais ainda se acentuam a questão de gênero, de etnia e de qualificação profissional. Os obstáculos presentes na realidade social brasileira são as injustiças sociais. Os avanços para um Brasil transformado necessitam de profundas mudanças nos projetos de educação, de formação da consciência crítica e da visão modificada da política e da economia. Pela pandemia foi possível um retrato da pobreza que o povo vive, mais do que material, principalmente quanto à consciência de cidadania. Por parte dos governantes não se vislumbra nenhuma política pública que possa impactar positivamente, haja vista a dificuldade para a volta do auxílio emergencial.

 

Há constatação de que as doações diminuíram desde que começou a pandemia. As reservas foram se esgotando. No começo, empresas, ONGs, Igrejas e inúmeras pessoas se mobilizaram e realizaram campanhas. O governo, a duras penas, deu seu contributo, através de auxílio emergencial, do programa para manter os empregos em 2020. O cenário, hoje, é preocupante. O custo de vida aumentou sensivelmente.

 

Na pandemia ouvimos que todos estamos no mesmo oceano. Porém, sabemos que há diferentes tipos de embarcações. Ora, se podemos contar com recursos que nos garantem um estilo de vida mais protegido, se temos à mesa o que nos alimenta, não sejamos insensíveis a ponto de achar que todos vão bem, obrigado! O nosso país é campeão nas desigualdades sociais. São vários os recursos que a grande maioria não pode contar. Renda fixa, utensílios domésticos, acesso à internet e tantas outras possibilidades nos colocam em condições desiguais. Essas diferenças podem estar muito próximas, geograficamente. No bairro, na cidade, ou até no mesmo condomínio, as diferenças sociais e culturais podem coexistir, pois a realidade suporta as contradições.

 

Na semana que celebramos a paixão de Jesus podemos identificar a angústia, o sofrimento e sentimos sua solidariedade, sobretudo para com aqueles que mais sofrem. A esperança será renovada, porque Deus é fiel e não desiste do amor. Deus fez justiça ao ressuscitar o seu Filho, Jesus. Ele caminha conosco. A paixão de Jesus encarnado torna-se a mesma paixão do povo sofredor.