Muitos corredores têm diferenças do tamanho das pernas afetando de 40% a 70% da população, e muitas vezes podem causar lesões. Uma discrepância no comprimento das pernas parece bastante fácil de consertar: basta colocar uma elevação no lado mais curto. Mas há alguma comprovação cientifica? E, além disso, há alguma evidência de que tratar uma discrepância no comprimento das pernas com o levantamento do salto realmente resulta em um resultado melhor?
Hoje vou explicar uma das queixas mais frequentes que tenho no consultório e discutiremos que as coisas não são tão simples quanto parecem. A primeira a se discutir deve ser se um determinado corredor tem ou não discrepância no comprimento das pernas e se os comprimentos das pernas estão ou não sendo medidos com precisão. Parece fácil, mas na prática, depende muito posicionamento durante o exame.
Alguns profissionais usam uma fita métrica nas proeminências ósseas na pelve e no tornozelo para determinar os comprimentos absolutos de suas pernas. Então, subtraindo os dois, pode ser determinado se há ou não uma diferença. Mas pesquisas mostram que esta é uma maneira imprecisa e não confiável de medir. Em um artigo de revisão de 1991 da S.T. McCaw e B.T. Bates, os autores descrevem como os comprimentos das pernas medidos por fita podem ter divergências no resultado final.
Discrepâncias no comprimento das pernas, especialmente as pequenas, só podem ser diagnosticadas com precisão por imagens. Ambos os raios-x e tomografia computadorizada são altamente precisos. Assim, a primeira lição a tirar é que você não pode ter certeza de uma discrepância se ela foi medida à mão.
Seu corpo compensará por ter uma discrepância no comprimento das pernas?Do ponto de vista puramente mecânico, parece óbvio que você estaria desequilibrado, como um carro com uma roda maior que as outras. Mas o corpo é uma máquina reativa: pode se adaptar a mudanças na superfície de corrida, calçados e força muscular. O que dizer que não pode mudar em resposta a uma discrepância no comprimento das pernas? Vários estudos foram realizados para examinar até que ponto o corpo pode efetivamente compensar uma discrepância no comprimento das pernas.
Em um artigo de revisão de 2002 de Burke Gurney, da Universidade do Novo México, citam-se dados que mostram, sem surpresa, que há assimetrias demonstráveis na marcha e na marcha em sujeitos com discrepância de comprimento de perna ou induzido artificialmente. Mas, curiosamente, quando essas discrepâncias no comprimento das pernas são corrigidas com o levantamento do calcanhar, não parece haver um benefício consistente.
Gurney cita alguns conjuntos de dados de outros pesquisadores que parecem mostrar que os levantamentos compensatórios no calcanhar de até 10mm dos corredores não parecem melhorar a eficiência, pelo menos conforme medido pelo consumo de oxigênio.
E em um estudo mais antigo, as forças de impacto aumentaram após os sujeitos, que tinham discrepâncias no comprimento das pernas variando de cerca de 5-20mm, receberem um levantamento de calcanhar para corrigir sua discrepância. Além disso, esse aumento nas forças de impacto persistiu mesmo após um período de “pausa” de três semanas, ilustrando que os levantamentos podem ter desequilibrado o corpo em vez de estabilizá-lo.
Discrepâncias no comprimento das pernas e lesões na corridaNo entanto, as discrepâncias no comprimento das pernas têm sido associadas há algumas lesões – possivelmente devido às assimetrias já mencionadas na marcha.
A dor lombar tem sido um tema muito pesquisado quando se trata de discrepâncias no comprimento das pernas, uma vez que a hipótese de que uma das formas como o corpo compensa um membro encurtado é torcer ou curvar a coluna. Mas, apesar de Gurney ter citado mais de uma dúzia de estudos sobre dor lombar e discrepâncias no comprimento das pernas, ainda não há uma resposta clara: vários descobriram uma maior incidência de diferenças de comprimento de perna em pessoas com dor lombar, enquanto outros, incluindo um estudo prospectivo bem desenhado de 257 atletas universitários, não encontraram nenhuma conexão entre os dois.
A dor no quadril, no entanto, está mais relacionada com a presença de uma discrepância no comprimento das pernas. Um estudo mostrou que, dos 254 atletas com uma diferença no comprimento da perna tinham alguma dor no quadril, destes 226 tinham dor no lado da perna mais longa.
As fraturas por estresse também foram relacionadas às diferenças de comprimento das pernas. Em um estudo realizado por Kim Bennell e colaboradores da Universidade de Melbourne, uma discrepância no comprimento das pernas foi duas vezes mais comum em mulheres com fratura por estresse do que naquelas sem fratura por estresse. Curiosamente, no entanto, a localização da fratura por estresse não estava relacionada a qual perna era mais longa.
O que fazer na discrepância do comprimento das pernas nos corredores?Quando suspeito de diferenças de comprimento de perna durante o exame físico no consultório, uso a fita para ter uma ideia se há mesmo diferença e peço exames complementares para medir discrepâncias no das pernas com precisão.
A literatura fala sobre compensar de 10mm a 20mm (pouco mais de 3/4 de polegada) sendo um bom ponto de interrupção aproximado para quem se beneficiaria de um levantamento / palmilha, mas observa que este é apenas um guia uma recomendação que deve ser levado em conta vários fatores.
Além disso, como qualquer intervenção ortótica, os corredores reagirão de maneira diferente ao levantamento do calcanhar. No momento, não temos nenhum método confiável de determinar se um elevador de calcanhar vai desequilibrá-lo ou colocá-lo em equilíbrio.
Tenha em mente as duas condições (dor no quadril e fraturas por estresse) que foram confiavelmente ligadas às diferenças de comprimento das pernas, no entanto por enquanto, sua melhor aposta é garantir que a discrepância de comprimento de perna realmente exista e, se isso acontecer, vá num especialista esportivo para ir fazendo as mudanças sob orientação médica.
Referência: 1. McCaw, S.; Bates, B., Biomechanical implications of mild leg length inequality. British Journal of Sports Medicine 1991, 25 (1), 10-14.2. Gurney, B., Leg Length Discrepancy. Gait & Posture 2002, 15, 195-206.3. Schuit, D.; Adrian, M.; Pidcoe, P., Effect of Heel Lifts on Ground Reaction Force Patterns in Subjects with Structural Leg-Length Discrepancies. Physical Therapy 1989, 69 (8), 663-670.4. Bennell, K. L.; Malcolm, S. S.; Thomas, S. A.; Reid, S. J.; Brukner, P.; Ebeling, P. R.; Wark, J. D., Risk factors for stress fracture in track and field athletes: a twelve-month prospective study. American Journal of Sports Medicine24 1996, 6 (810-818).
Ana Paula Simões é Professora Instrutora da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e Mestre em Medicina, Ortopedia e Traumatologia e Especialista em Medicina e Cirurgia do Pé e Tornozelo pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. ?? Membro titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia; da Associação Brasileira de Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé, da Sociedade Brasileira de Artroscopia e Traumatologia do Esporte; e da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte. www.anapaulasimoes.com.br