Recentemente o governo francês alterou o tom do azul na bandeira oficial de uma das dez maiores economias do mundo. O novo tom remete aos tempos da revolução francesa. Nada que tenha provocado arrepios. O Brasil já foi representado por mais de uma dezena de bandeiras diferentes, isso nunca significou o fim da pátria – obviamente. Alguns setores da sociedade barbarense parecem não suportar a ideia de manter suas tradições festivas, mas rompendo com a emblemática bandeira confederada.
No último sábado (04/06) uma audiência pública foi realizada em torno do projeto de lei complementar proposto pela vereadora Esther Moraes. Se aprovado, não poderão ocorrer na cidade eventos que exponham formas de expressões que façam apologia ao racismo. Mas que fique claro, qualquer evento pode ocorrer desde que não tenha esse tipo de expressão.
Para qualquer bom entendedor, a cidade está apenas legislando para o interesse da localidade com respaldo integral da legislação federal e estadual. Podemos citar a Lei Estadual 14.187/2010, a lei federal 12.288/2010, ou mesmo da lei federal 7.716/1989, ou mesmo no artigo 140 do Código Penal. A atribuição de definir como será a fiscalização é integralmente do poder executivo, há muito barulho desnecessário sendo bradado à toa pelos opositores ao projeto.
Por que uma Câmara Municipal se oporia a constar na legislação municipal preceitos já tão largamente consolidados?
Talvez porque na justificativa do projeto de lei, que não é o texto da lei a ser sancionada – e parece que alguns demonstram pouco conhecimento sobre o funcionamento legislativo nesse ponto – faz-se menção à bandeira confederada; tipicamente usada no evento da Festa Confederada, essa sim um patrimônio cultural e histórico da região.
Eu digo talvez porque não imagino outro motivo para que entidades ou fundações se oponham a uma lei antirracista. De qualquer forma, é curioso que os que se oponham tenham optado por não comparecer à audiência pública, abriram mão de sua voz.
Uma bandeira por si só não pode ser racista, já que é um objeto inanimado. Mas bandeiras carregam símbolos, carregam identificações com valores e tradições. Durante a audiência pública foram colocados diversos argumentos técnicos que demonstram, sem sombra de dúvidas, que o uso da bandeira confederada pode estar em desacordo com a legislação.
Especialista em História, o professor Sidnei Aguilar, trouxe um dado que envergonha nossa memória: Campinas foi a última cidade do mundo a aceitar a abolição da escravidão. Isso explica, em partes, o porquê resta tanta resistência em nossa região quando o assunto é promover políticas que promovam igualdade racial e punem o racismo.
Mais contundente foram as exposições do Doutor Jordan Brasher, da Columbus State University. A releitura histórica que tenta se firmar sobre a bandeira não tem compromisso com os fatos históricos. Ninguém está a ressuscitar um tribunal de inquisição contra os imigrantes. Eram outros tempos (e que bom que avançamos). Saíram dos Estados Unidos e encontraram abrigo no Brasil, mas é fato que a Guerra Civil Norte-Americana tinha como pilar fundamental a aceitação da mão-de-obra escrava. Os fazendeiros do sul contra os industriais do norte. A bandeira dos estados confederados carrega o fardo de representar um ideal de mundo onde há aceitação da mão-de-obra escrava, isso não faz bem ao século XXI. O lugar dela é no museu, e não para reverência. A festa em si, com sua boa música e comida são referências sadias do passado e podem ser mantidas para os tempos de agora.
Há uma notória amnésia nacional sobre os impactos da escravidão no Brasil, e é por isso que há tanta conivência às práticas de ofensas racistas. Tanto o é, que podemos ver o quanto parece doer na alma política a tramitação desse projeto, por que tamanha demora?
Um dos lados mais perversos da escravidão é que, por séculos, ela foi autorizada e protegida pelo estado brasileiro. Existe uma chance para que vejamos os legisladores de Santa Bárbara D’Oeste, da última região do mundo a romper com a escravidão, a dizer que não há mais tolerância com o preconceito, e que se o passado foi de dor e preconceito – hoje temos a chance de mudar os rumos. É o que esperamos, uma lei antirracista sendo aprovada!
*Bruno Santos é sociólogo bacharel pela UNICAMP, consultor parlamentar e professor com especialização em gestão escolar pela USP.