Em meados da década de 1970, o jornalista esportivo e ex-técnico de futebol João Saldanha, cujo centenário de nascimento se comemora neste mês, decepcionou a ala feminina da plateia de uma universidade na qual palestrava ao responder sobre o que achava de mulheres praticando o esporte mais popular do País. “Sou contra. O sujeito tem um filho, que leva a namorada para conhecê-lo. O pai faz a pergunta clássica: ´Você trabalha ou estuda?’ ‘Trabalho’, ela responde. ‘Em quê?’, quer saber o velho. ‘Sou zagueira do Bangu.'” Conclui Saldanha: “Pega mal, vocês não acham?” 

Se Saldanha, conhecido e celebrado até os dias de hoje como um homem visionário e libertário no que diz respeito a futebol e comportamento, foi capaz de uma declaração dessas, imagine as dificuldades pelas quais as mulheres passaram para se inserir na modalidade diante de uma sociedade muito mais conservadora do que o ex-treinador do Botafogo e da Seleção Brasileira. 
Foi para combater esta linha de pensamento e tentar contribuir para a inclusão de mulheres em atividades físicas no geral e no futebol em especial, que Priscila Martins, técnica em Organização Esportiva pela Escola Técnica Estadual (Etec) de Esportes ??? Curt Walter Otto Baumgart, na Capital, desenvolveu como trabalho de conclusão de curso (TCC) o artigo científico Futebol feminino ??? uma história de lutas por reconhecimento social e profissional. 
Ela conta que já estava disposta a abordar o tema antes de iniciar o curso na Etec, em 2016. “Entrei decidida a debater o assunto em todas as disciplinas, para que mais meninas possam jogar, discutir, trabalhar e continuar a luta delas pelo espaço nesse esporte que ainda é de dominância masculina”, diz Priscila. Defendido no final do primeiro semestre de 2017, o artigo acaba de ser incluído no acervo permanente do Museu do Futebol, do Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, mais conhecido como Pacaembu, na Capital. Muito a evoluir
Quarta e domingo, o programa predileto de Priscila é assistir aos jogos do Corinthians, o time do coração, pela TV. O primeiro contato com o futebol veio ainda criança, por meio do avô, que jogava na várzea. Desde os 3 anos de idade batia bola com os meninos da rua onde morava, em São Bernardo do Campo, na Região do Grande ABC. Ela teve uma breve carreira profissional, entre 16 e 17 anos, no  São Bernardo Futebol Clube e no Botafogo (RJ). Também praticou outras modalidades: muay thai, capoeira, boxe, handebol e diversos esportes radicais ??? atualmente tem uma empresa na qual é instrutora e monitora para atividades do gênero. 
Priscila avalia que a inserção de mulheres no universo do esporte melhorou desde os tempos de João Saldanha, mas ainda tem muito a evoluir. “Estamos muito longe do ideal não apenas dentro das quatro linhas. A presença de mulheres na gestão de clubes e times, na medicina esportiva e na imprensa especializada ainda é tímida, apesar de mais comum hoje. Precisamos debater mais o assunto desde o ensino básico para naturalizar a presença da mulher na prática de atividades físicas e de esporte profissional”.
Quem não puder ir ao Museu do Futebol, pode acessar Futebol feminino ??? uma história de lutas por reconhecimento social e profissional pela internet.