Tramita na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 5069/19 de autoria do Deputado Federal Gervásio Maia, que visa modificar a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, para dispor sobre a relação de emprego entre empresas e trabalhadores que exercem atividades por meio de plataforma de aplicativos de transporte terrestre , como UBER, Cabify, dentre outros.
Por mais boa vontade que o legislador demonstre, o projeto de lei pouco define e ainda residirá nas mãos da Justiça do Trabalho a verificação ou não da relação de emprego entre motoristas de aplicativos e estes.
Sabe-se que os aplicativos de transporte estabelecem preços, condições de prestação de serviços, distribuição dos serviços, dentre outros, porque dispõem da tecnologia necessária para o desenvolvimento desta atividade.
O motorista é detentor do veículo, que é a ferramenta de trabalho, e trabalha apenas se aderir ao sistema. Ou seja, escolhe a hora em que começa a trabalhar, a quantidade de horas, e se trabalhará ou não em determinado dia.
Por outro lado, os elementos da relação de emprego celetista estão definidos nos artigos 2º e 3º, e são eles: trabalho não eventual, onerosidade, pessoalidade e subordinação.
?? uma definição clássica, da relação de emprego formal, oriunda do trabalho industrial do Século XX, sem sombra de dúvidas. Ocorre que a relação do motorista com o aplicativo afeta principalmente a verificação do elemento da não eventualidade deste conceito clássico, uma vez que o motorista pode definir se trabalha ou não em referido dia sem sofrer qualquer punição do aplicativo. Evidente não ser possível um abandono total do sistema, mas há uma boa flexibilidade de escolha.
Ainda que o motorista trabalhe em nome do aplicativo, e poderíamos aqui citar a alteridade como elemento da relação de emprego, conforme lição do jurista Uruguaio Americo Pla Rodriguez, o fato é que a relação de emprego, nos moldes da legislação atual, sempre dependerá de robusta produção de provas. E isso o PL não ajuda a resolver.
Observemos as alterações propostas:
???Art. 235-I. Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, as empresas operadoras da plataforma de aplicativo de transporte terrestre???
Nesse ponto o legislador utiliza os moldes clássicos da CLT para referir-se ao empregador, sem criar um novo tipo jurídico.
E aqui começa o problema não resolvido.
Vejamos:
??? Art. 235-J. Para efeito do que prescreve o caput do art. 3º do Decreto-Lei nº 5.452/43 Consolidação das Leis do Trabalho ??? CLT, será considerado empregado, assegurando-se todas as garantias previstas nesta Lei, o profissional que exercer atividade de motorista, de forma pessoal, onerosa, habitual e de subordinação, através de empresas operadoras da plataforma de aplicativos de transporte terrestre, excetuado aquele que exerça sua atividade de forma eventual.
1º Seráconsiderada atividade de natureza habitual, o motorista que desenvolver sua profissão, predominantemente, através da plataforma de aplicativo de transporte terrestre.
2º – O motorista que exercer sua atividade, de forma não predominante e eventualmente, através da plataforma de aplicativo de transporte terrestre poderá cadastrar-se como microempreendedor individual ???MEI, na forma prevista na Lei Complementar nº 128/2008,que alterou a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (Lei Complementar nº 123/2006) que criou a figura do Microempreendedor Individual.???
O texto do art. 235-J proposto é uma repetição dos elementos citados acima constantes nos artigos 2º e 3º da CLT: Pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade.
Ao final do PL, é citado de forma redundante que o motorista que exerce a atividade de forma eventual não será considerado empregado.
O legislador não define o que entende por ???predominância???, ???habitualidade???, deixando a cargo do interprete realizar a definição.
O § 2º também é uma definição do que já acontece, a possibilidade de criação de uma MEI, fato que a Lei não veda.
Observe-se que o PL nada cria de novo, é repleto de subjetividades, pois a verificação dos elementos fáticos da relação de emprego serão sempre efetuadas, consultando-se a legislação já existente (CLT e seu conceito clássico de empregado), como já ocorre corriqueiramente.
Na verdade, o PL anima a judicialização da relação entre as partes sem dar novos elementos concretos para resolvê-la. A Justiça do Trabalho, bem como o STJ, em casos concretos recentes, têm classificado a relação de trabalho como autônoma, sempre considerando os casos concretos individuais que são levados ao Poder Judiciário.
As constantes alterações da legislação trabalhista desde 2017 transformaram o Direito de Trabalho em uma colcha de retalhos com boas e horrorosas medidas, a tal ponto que podemos afirmar que não existe mais um arcabouço jurídico racional, lógico e organizado das leis trabalhistas no Brasil. Ocorre que os melhores estudiosos do Direito do Trabalho jamais foram consultados para organizar um novo diploma legal.
Por tudo isso o que fizeram com nossa legislação trabalhista causaria ciúmes em Mary Shelley.