Ao menos 26 mil doses de vacinas contra a Covid-19 foram aplicadas no Brasil fora do prazo de validade estabelecido pelo fabricante. O erro, que compromete a imunização coletiva e pode ter consequências no controle da pandemia, poderia ter sido evitado se o Ministério da Saúde tivesse utilizado adequadamente os softwares de controle de armazém e barrado o envio para os estados e municípios. Uma operação logística organizada, nesse caso, seria determinante para que os mais de 1500 municípios listados com a falha não precisassem agora pensar em estratégias para contato com a população atingida.
“Existem alguns tipos de controle de estoque no caso de produtos de valor agregado para a saúde humana. Em vacinas, o controle normalmente é feito pela validade. E existe tecnologia para que esse tipo de falha não ocorra. Estamos presenciando um erro evitável. A melhor maneira de se proteger é por meio de sistema. Não ter nenhuma etapa de fracionamento manual. A proteção tem que ficar em sistema e ele já deveria impedir o fracionamento de frascos caso a validade estivesse muito próxima”, alerta Ricardo Agostinho Canteras, especialista em logística de cadeia fria.
O executivo explica que para esse tipo de atividade é utilizado um software de WMS, de gerenciamento de armazém, que permite que o fracionamento das doses, ainda no Centro de Distribuição do Ministério da Saúde, atenda aos requisitos estipulados pelo PNI. Isso significa que é possível, por exemplo, que já esteja em sistema o não fracionamento de doses muito próximas da validade.
“Claro que toda a situação precisa ser investigada, mas com base na nossa experiência logística, tudo nos leva a crer que a federação transferiu esses imunizantes para os estados com um prazo muito curto de validade, os estados repassaram para os municípios na ânsia de atender a demanda, que é muito alta, e os municípios provavelmente já receberam essas doses com o prazo estourado e aplicaram mesmo assim”, comenta Canteras, que também é diretor Comercial da Temp Log – operadora com quase 30 anos de experiência em logística para cargas frias, em especial, a indústria farmacêutica.
É importante ressaltar, no entanto, que essa decisão de aplicar as vacinas já vencidas não poderia ter partido nem dos municípios, nem dos estados, nem do governo federal. “Existe um estudo de estabilidade que é feito pela fabricante na hora de desenvolver um imunizante ou medicamento. E muitas vezes a validade descrita no frasco é menor que a real, sabemos disso. Mas a avaliação da eficácia de aplicação após o prazo compete exclusivamente à ANVISA. Um exemplo prático disso são as vacinas da Janssen, que tiveram a validade estendida pela Agência”, finaliza o executivo.