Fique em casa
Por Alexandre F. Azevedo*
— Alexandre… (Longa pausa dramática.) Com 87% dos votos, foi você o escolhido. Seu tempo na casa chegou ao fim. Vem viver sua vida aqui fora!
— Ei, espera aí. Assim, de supetão?
— Como “de supetão”? Já é seu quinto paredão e sua mala inclusive está pronta aí do seu lado.
— Mas eu achei que era só jogo de cena, pra manter a audiência ligada até o final.
— Não, infelizmente não é jogo de cena. Vem! Sua família te espera.
— Você só pode estar maluco. Meus pais já têm mais de 70 anos, não posso ter contato próximo com eles não.
— Olha, eu sei que é difícil se desfazer desse sonho, mas chegou a hora de você encarar a realidade aqui fora. Tem muita coisa boa te esperando!
— Tipo o quê?
— Você agora é uma celebridade. Não vai mais conseguir andar na rua sem ser assediado, pessoas querendo uma selfie pra postar no Instagram, esse tipo de coisa…
— Como assim? Assédio, selfie? Na cartilha que vocês nos mandaram estava escrito em caixa-alta: EVITAR O CONTATO PESSOAL!
— Olha, realmente aconteceu esse probleminha…
— Probleminha? Também estava escrito que não era pra acreditar de modo algum em quem dissesse que era apenas um “probleminha”. Não estou entendendo mais nada, achei que eu entraria nessa casa e sairia com a minha situação resolvida, mas pelo visto me dei mal.
— Alexandre, eu sei que você está preocupado e não tiro sua razão. Estamos em um momento difícil, mas que passará, como tudo na vida. Veja pelo lado bom, agora você é uma pessoa pública e pode ajudar a conscientizar a população.
— Mas quem irá me reconhecer, se sou obrigado a sair de máscara?
— Você pode fazer lives dentro da sua casa mostrando como pode ser boa a vida no confinamento, afinal você já tem experiência no assunto.
— Uma coisa é me divertir numa casona dessa, com festa toda semana, bebida e comida à vontade, tempo livre, gente bonita, piscina, academia e o escambau; outra é ficar preso naquele meu quarto e sala, com vista pra parede do outro prédio e uma internet que cai o tempo inteiro.
— Infelizmente, não podemos nos responsabilizar por tudo que acontece após o programa. Cada um tem que achar um jeito de se inserir no mundo aqui fora. O próprio Rubinho, que saiu no último paredão, tá fazendo um sucesso danado confeccionando máscaras com rostos de ex-BBBs. Se a pessoa quiser sair sem ser notada, é só escolher a cara de alguém que participou dos programas mais antigos que é batata.
— Quer dizer que eu posso usar uma máscara com meu próprio rosto impresso?
— Claro, tem gosto pra tudo. Vem, o Brasil te espera!
— Bom, pelo menos ainda posso fazer presença em festas.
— Não existem mais festas.
— Como assim?
— Acho que falei besteira — murmurando baixinho.
— O quê?
— É isso mesmo, as festas foram proibidas.
— Como vou me sustentar sem fazer presença em festas? Torrei todo o meu dinheiro pra clarear os dentes e fazer uma abdomino plastia. Não sobrou mais nada.
— Você tem smartphone?
— Tenho.
— Então… Você pode baixar um aplicativo que vai te dar direito a receber uma ajuda do governo.
— Que bom… Quer dizer que não vou passar aperto? De quanto é esse auxílio?
— Seiscentos reais.
— Seiscentos reais?
— Isso.
— … Tá, mas e a Solange? Ainda está me esperando aí fora?
— Bom… Você sabe que ela saiu logo na terceira semana… Olha, eu não vou te enrolar não, ela está morando com o Rubinho.
— Mas o Rubinho saiu daqui semana passada jurando que ia voltar pra Ju.
— Ju?
— Ju, a que saiu na primeira semana.
— Ah, lembrei. Aquela lourinha, né?
— A própria.
— É tanta gente que fica difícil de lembrar. Pois é, ela ficou com medo da pandemia aqui no Brasil e viajou pra longe.
— Foi para onde?
— Nova York.
— Sorte a dela, hein?
— Vamos mudar de assunto? Tenho certeza de que você fará muito sucesso quando sair da casa. Inclusive, existe a chance de você ser recebido pelo presidente da república! Tá cheio de gente querendo saber sua opinião sobre a cloroquina.
— Cloro o quê?
— Esquece. Vem, Alexandre, vem brilhar aqui fora!
*Alexandre F. Azevedo é médico, músico e escritor, lançou a coletânea de crônicas Conversando com paredes pela Editora Labrador, publica textos sobre as suas percepções de mundo no Instagram @conversandocomparedes