As máquinas brasileiras e o momento tech

Tecnologia,

As máquinas brasileiras e o momento tech

9 de agosto de 2017

Quem teve o privilégio de assistir a conferência do Prêmio Nobel de Química James Fraser Stoddart, durante o 46º Congresso Mundial da IUPAC, em julho, em São Paulo, deve ter ficado fascinado com os avanços da química e com as chamadas “máquinas moleculares”. Trata-se de construções moleculares de natureza sintética ou biológica, que executam movimentos controlados quando recebem algum tipo de energia, química, elétrica, óptica ou magnética.
Componentes microscópicos programáveis e, portanto, de grande potencial para aplicações em vários setores que envolvem alta tecnologia, com destaque para a medicina. Essa conquista foi fruto de três décadas de pesquisa básica e justificou a premiação que contemplou, em 2016, além de Fraser, os cientistas Jean-Pierre Sauvage e Bernard L. Feringa.
Mas a plateia que lotou o evento teve sua atenção despertada também por um outro aspecto da conferência. Ao falar de sua história pessoal, Fraser mostrou que ela não traz nada de excepcional e não se distingue muito da de outros pesquisadores de sua geração, inclusive latino-americanos. Filho de pequeno proprietário rural da Escócia, trabalhou na infância e parte da adolescência nas duras tarefas diárias da fazenda familiar que, durante um período, não contava com eletricidade.
Fraser assinala com ênfase, no entanto, que sua formação educacional básica foi de excelente qualidade, com professores de ótimo nível que sempre o estimularam a estudar e a pensar. Ele considera esse ponto essencial em sua vida de pesquisador, que culminou com a maior premiação que um cientista pode almejar.
As credenciais de Fraser lhe conferem autoridade para ir contra a voz corrente de políticos e tecnocratas hoje empenhados em canalizar recursos dos orçamentos para a pesquisa “aplicada”, de resultados imediatos, em detrimento da pesquisa básica. Toda a sua trajetória, pautada pela preocupação em explicar fenômenos situados nos limites da química, mostra o equívoco de estabelecer uma linha divisória entre ambas, ciência básica e ciência aplicada. Da pesquisa sobre miniaturização e desenvolvimento de materiais, sensores e sistemas de armazenamento de energia, fronteira então totalmente desconhecida, brotaram tecnologias que deverão revolucionar a indústria do futuro.
Em outro ponto interessante da conferência, Fraser exorta seus colegas pesquisadores a se mobilizarem para serem ouvidos pelos governos ou, como declarou em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, durante o evento, “é hora de cientistas assumirem uma posição política”. Ele está seguro de que a pouca representatividade da comunidade científica significa uma perda para as sociedades e enorme limitação para o avanço tecnológico, imprescindível para o desenvolvimento sustentável num mundo cheio de incertezas e desafios.
O debate sobre a representatividade da comunidade científica ganha destaque em países europeus e na América do Norte, mas torna-se hoje uma preocupação angustiante para nós brasileiros. Ainda bastante tímido, nosso patamar de desenvolvimento científico no momento está ameaçado de completo colapso, nos colocando em direção contrária a de outros países empenhados em serem protagonistas no século XXI. Apesar do esforço feito nos últimos anos, a comunidade científica tem reduzida capacidade de se fazer ouvir por governantes ou de convencer a sociedade de que não há possibilidade de desenvolvimento sem investimentos em ciência e tecnologia. Neste momento crítico da vida republicana, fora do País por alguns dias, foi possível ver que o Brasil é notícia nos jornais estrangeiros e nos comentários de colegas do exterior, não pelos investimentos em ciência e tecnologia ou por uma descoberta ou inovação tecnológica sensacional, mas só pelo que nos diminui e envergonha ??? corrupção e descompasso econômico e social. 
Que a conferência do Nobel Fraser e sua entrevista ao jornal Folha de S. Paulo sirva de estímulo a toda a comunidade científica brasileira neste momento.

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9 de agosto de 2017

Quem teve o privilégio de assistir a conferência do Prêmio Nobel de Química James Fraser Stoddart, durante o 46º Congresso Mundial da IUPAC, em julho, em São Paulo, deve ter ficado fascinado com os avanços da química e com as chamadas “máquinas moleculares”. Trata-se de construções moleculares de natureza sintética ou biológica, que executam movimentos controlados quando recebem algum tipo de energia, química, elétrica, óptica ou magnética.
Componentes microscópicos programáveis e, portanto, de grande potencial para aplicações em vários setores que envolvem alta tecnologia, com destaque para a medicina. Essa conquista foi fruto de três décadas de pesquisa básica e justificou a premiação que contemplou, em 2016, além de Fraser, os cientistas Jean-Pierre Sauvage e Bernard L. Feringa.
Mas a plateia que lotou o evento teve sua atenção despertada também por um outro aspecto da conferência. Ao falar de sua história pessoal, Fraser mostrou que ela não traz nada de excepcional e não se distingue muito da de outros pesquisadores de sua geração, inclusive latino-americanos. Filho de pequeno proprietário rural da Escócia, trabalhou na infância e parte da adolescência nas duras tarefas diárias da fazenda familiar que, durante um período, não contava com eletricidade.
Fraser assinala com ênfase, no entanto, que sua formação educacional básica foi de excelente qualidade, com professores de ótimo nível que sempre o estimularam a estudar e a pensar. Ele considera esse ponto essencial em sua vida de pesquisador, que culminou com a maior premiação que um cientista pode almejar.
As credenciais de Fraser lhe conferem autoridade para ir contra a voz corrente de políticos e tecnocratas hoje empenhados em canalizar recursos dos orçamentos para a pesquisa “aplicada”, de resultados imediatos, em detrimento da pesquisa básica. Toda a sua trajetória, pautada pela preocupação em explicar fenômenos situados nos limites da química, mostra o equívoco de estabelecer uma linha divisória entre ambas, ciência básica e ciência aplicada. Da pesquisa sobre miniaturização e desenvolvimento de materiais, sensores e sistemas de armazenamento de energia, fronteira então totalmente desconhecida, brotaram tecnologias que deverão revolucionar a indústria do futuro.
Em outro ponto interessante da conferência, Fraser exorta seus colegas pesquisadores a se mobilizarem para serem ouvidos pelos governos ou, como declarou em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, durante o evento, “é hora de cientistas assumirem uma posição política”. Ele está seguro de que a pouca representatividade da comunidade científica significa uma perda para as sociedades e enorme limitação para o avanço tecnológico, imprescindível para o desenvolvimento sustentável num mundo cheio de incertezas e desafios.
O debate sobre a representatividade da comunidade científica ganha destaque em países europeus e na América do Norte, mas torna-se hoje uma preocupação angustiante para nós brasileiros. Ainda bastante tímido, nosso patamar de desenvolvimento científico no momento está ameaçado de completo colapso, nos colocando em direção contrária a de outros países empenhados em serem protagonistas no século XXI. Apesar do esforço feito nos últimos anos, a comunidade científica tem reduzida capacidade de se fazer ouvir por governantes ou de convencer a sociedade de que não há possibilidade de desenvolvimento sem investimentos em ciência e tecnologia. Neste momento crítico da vida republicana, fora do País por alguns dias, foi possível ver que o Brasil é notícia nos jornais estrangeiros e nos comentários de colegas do exterior, não pelos investimentos em ciência e tecnologia ou por uma descoberta ou inovação tecnológica sensacional, mas só pelo que nos diminui e envergonha ??? corrupção e descompasso econômico e social. 
Que a conferência do Nobel Fraser e sua entrevista ao jornal Folha de S. Paulo sirva de estímulo a toda a comunidade científica brasileira neste momento.

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