Do Diário de Notícias (Portugal) Hamilton Mourão, que ainda ontem defendeu que Lula fosse ao enterro do irmão, tem agenda própria e, muitas vezes, na contramão do presidente. O ideólogo da direita brasileira, Olavo de Carvalho, contra-atacou.
“Senhor Lauro Jardim, isso não é jornalismo, isso é terrorismo”, disse Jair Bolsonaro, em vídeo publicado nas redes sociais em fevereiro de 2018, dirigindo-se a um colunista do jornal O Globo. Jardim havia escrito que, em palestra para empresários, Bolsonaro sugerira metralhar a favela da Rocinha caso os traficantes não abandonassem o local, uma notícia que o então pré-candidato à presidência da República brasileira classificou de “falsa”, de “barbaridade” e de “loucura”. De então para cá, os filhos de Bolsonaro e outros membros do núcleo presidencial atacam o jornalista sem piedade nas redes sociais.
Avancemos um ano, para terça-feira desta semana, dia 29. Enquanto Bolsonaro, sedado, se recupera de operação aos intestinos, o seu vice-presidente, general Hamilton Mourão, assume a presidência interina do Brasil por 48 horas. Quase no fim do expediente, recebe, imagine-se, Jardim, alvo de Bolsonaro, dos seus filhos e do restante círculo íntimo do presidente, para uma conversa. ?? saída do encontro, o vice-presidente ainda diz considerar a presença de Lula da Silva no enterro do irmão mais velho, falecido instantes antes, “uma questão humanitária”. O antigo presidente é o maior alvo político de Bolsonaro.
Noutro episódio, logo após ser conhecida a decisão de Jean Wyllys de não aceitar o cargo de deputado e de optar por morar no estrangeiro (Espanha) em virtude das ameaças de morte recebidas, o “vice” disse que “ameaçar parlamentares é um crime contra a democracia”. Antes, Bolsonaro e um dos seus filhos tinham-se regozijado pelas redes sociais com a partida de Wyllys e, logo depois, influenciadores digitais próximos do presidente sugeriram que o exílio do deputado se devia a ligações a Adélio Bispo, o autor da facada de 6 de setembro.
Mourão já fora chamado a substituir o presidente enquanto decorria o fórum económico de Davos. Na ocasião, defendeu em entrevista que a flexibilização da posse de arma, decretada, com pompa, por Bolsonaro dias antes, não surtia efeito contra a violência. Em paralelo, recebeu o embaixador alemão no Brasil com o objetivo, afirmou, “de corrigir uma reputação meio errada do governo na União Europeia” – estava Bolsonaro nesse momento na Europa.
Entretanto, embora o caso de suposta corrupção envolvendo o filho do presidente e senador eleito Flávio Bolsonaro preocupe todo o governo e, em particular, a ala militar, pertenceram a Mourão as frases mais contundentes a esse respeito: “a lei é para todos” e “deve-se apurar e punir”.
Durante as últimas 48 horas de presidência interina, Mourão ainda teve dois encontros oficiais, um na segunda e outro na terça-feira, com representantes árabes no contexto do veto saudita à importação de carne de frango brasileira,onde retirou a promessa de Bolsonaro ao primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu de mudar a embaixada brasileira de Telavive para Jerusalém.
ATAQUE DE OLAVOA não ser em surdina pelos corredores do Planalto, não houve ainda nenhuma reação do núcleo do presidente à ação de Mourão. Mas, a partir dos Estados Unidos, o filósofo Olavo de Carvalho, tido como guru intelectual de Bolsonaro, atacou-o após a reunião com o embaixador da Palestina. “Enquanto os israelitas estavam socorrendo as vítimas da tragédia de Brumadinho, o Mourão estava trocando beijinhos com a delegação palestina, prometendo que a nossa embaixada não vai mudar para Jerusalém”, afirmou.