Um dia, minha esposa chegou em casa toda faceira me propondo um desafio.
Dizia que era algo complexo, mas que só as mentes mais aguçadas o resolviam. Era o desafio da banheira. Calma, galerinha, não era nada relacionado à famosa banheira do Gugu. O desafio era intelectual.
Após essa introdução para fisgar minha atenção, abusando da minha transbordante vaidade intelectual, ela falou: “Há uma banheira cheia de água. Você tem uma colher, uma xícara e um balde. Qual o jeito mais rápido de tirar a água da banheira?”.
Pensei e comecei a analisar as possibilidades. Depois de 5 segundos, respondi: usaria a xícara para encher o balde e tiraria a água com o balde, pois é maior e eu tenho força para tirar 5 quilos de água da banheira a cada “baldada”.
Ela deu risada e falou que não era uma resposta inteligente. Essa era uma resposta básica. A sacada dos gênios era esvaziar a banheira tirando a tampa dela. Fiquei bravo com minha própria resposta. Minha vaidade intelectual foi-se pelo ralo junto com a água. Como assim, tirar a tampa do ralo? Por que não pensei nisso antes? Porém, há sempre um, tentei fazer aquele que Faymann falava que somos mestres: me autoenganar. Perguntei: “você acertou?”; ela disse: “não vem ao caso”.
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Risinho de lado, logo pensei: duvido que alguém responda isso. Todos vão se atentar aos dados do problema que cujo narrador deu foco e darão uma resposta tal qual a minha. Alguns, pensei, poderiam falar que usariam o balde em uma mão e a xícara em outra, operando com mais velocidade.
Coletando mais dados
Autoenganado, senti-me confortável e viemos para Rio Claro, ver meus pais. Lá pelas tantas, após o jantar e degustando uma boa cerveja com o velho, lancei mão do desafio. Meu pai era minha referência de raciocínio rápido e lógico e, certamente, seu erro me deixaria mais tranquilo. Pedi a Fernanda que replicasse o desafio tal qual me enunciara mais cedo. E ela o fez.
Para minha surpresa, sem pensar nem 2 segundos, meu pai solta: “puxa logo a tampa. Por que tirar água com balde? Para esvaziar uma banheira, é só puxar a tampa do ralo”. Em 5 segundos, minha autoestima, que já vinha abalada, derreteu-se. O velho matou a charadinha como se fosse algo tão trivial que qualquer cidadão de bom senso deveria, por obrigação, responder.
Feito os elogios ao meu pai, minha expressão refletia perplexidade diante da resposta equivocada. Comecei então a avaliar o porquê do erro. Meses pensando, cheguei a uma conclusão: distração. Nossa geração anda tão distraída e acostumada a utilizar as coisas que chegam até nós que perdemos a capacidade de avaliar as coisas de maneira pragmática.
Se sou informado de que há um balde, uma xícara e uma colher, a solução deve passar, obrigatoriamente, pela utilização desses materiais. Por que, afinal, algo chegaria até mim, se não para escolher o melhor?
Pense em como navegávamos pela internet até 2006. Você acessava a rede e dirigia-se a um portal ou site de sua escolha, sem sugestão, ou então a um buscador como o Google para encontrar o que precisava. Toda ação de busca partia de você.
E hoje? Quase não há busca. Primeiro: o computador exigia um setup de no mínimo 5 minutos para acessar o navegador. Atualmente, a maioria das buscas é feita puxando o smartphone. Em seguida, ao desbloquear seu celular, há inúmeras notificações de uma série de aplicativos especializados em fisgar sua atenção e fazer com que você faça o que seus desenvolvedores querem. Conseguir desviar de tudo isso é um esforço gigantesco.
Sendo assim, alguém com um modelo mental pragmático e treinado a enxergar a situação com foco, sem deixar-se distrair pelo excesso de informações, é fundamental. Por isso, na minha percepção, a solução proposta por ele foi tão certeira. Raciocínio lógico, mas com foco. Essas duas habilidades, mais abundantes nos baby boomers (nascidos entre 1945 e 1964) e na geração X (nascidos entre 1965 e 1980), nos faltam muito, hoje em dia.
Para concluir, faço um convite: busque analisar a situação desafiadora na qual você está com mais pragmatismo. O que você realmente precisa para resolver o problema? Comece filtrando as mensagens que aparecem em seu celular, sem pedir. Filtrando as dicas de gurus que populam seu Reels. Filtrando até mesmo pensadores famosos e admiráveis, mas muito afastados do seu dia a dia. Será que você não está tentando esvaziar a sua banheira com a caneca?
Com esse exercício, caso real: eliminamos pelo menos uns 20 mil reais de serviços e softwares que tínhamos gostado, mas que não eram necessários para alcançarmos nossa meta. Chacoalhe essa árvore, pois aposto que cairá muita coisa que você agregou porque era “cool” ou “da moda”. Pare de procurar processos e rotinas para aplicar as coisas que tem. Comece a avaliar o que você realmente precisa ter para alcançar o resultado que deseja.
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Virgilio Marques dos Santos é um dos fundadores da FM2S, doutor, mestre e graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp e Master Black Belt pela mesma Universidade. Foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da Unicamp, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.
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