Como é de conhecimento, o Brasil nunca foi um país que sirva de exemplo quando se trata de moralidade no trato da coisa pública e no respeito do governante ao cidadão/contribuinte. A corrupção, o conluio e a apropriação indevida são marcas registradas da vida nacional desde o império, passando pela República, Estado Novo, governo militar e redemocratização.
Nos últimos 16 anos, porém, a começar com o primeiro mandato do ex-presidente Lula, o assalto ao estado e a apropriação do patrimônio público por entes privados atingiu um nível de abrangência nunca antes visto, tornando-se de tal forma entranhado no tecido governamental, com tamanha repercussão em toda sociedade, que nos levou a pensar que o país estava irremediavelmente perdido.
A desonestidade era a regra e a honradez e retidão de caráter um defeito. Contraditoriamente, poder-se-ia dizer, o processo que trouxe à luz todos esse estado de coisas, parecia ser, ao mesmo tempo, a solução do problema e o fim do tempo de espoliação do estado e de impunidade dos malfeitores – a Operação Lava-Jato.
Por momentos, viveu-se a ilusão de que o país iria ser “passado a limpo” passando a ser um país em que víssemos os impostos que pagamos ter a destinação justa em proveito da população e o desaparecimento do político profissional, arcaico e egoísta, que seria trocado por aqueles para quem servir o país seria uma espécie de trabalho voluntário, em que o que importaria seria o bem-estar geral e não a boa vida particular.
Porém, eis que, justificadamente, viu-se surgir no congresso uma denúncia feita pela Promotoria Geral contra o sr. Presidente e nos apercebemos que nada estava mudando. Tudo continuava e continua exatamente como antes.
As práticas clientelistas continuam as mesmas e a serem usadas com desenvoltura e sem qualquer constrangimento. O voto é usado como moeda de troca e a manutenção do poder, que, diga-se, foi conseguido por meios nada honestos, continua a justificar que se trate o tesouro nacional como propriedade privada e se distribua dinheiro segundo critérios espúrios e imorais.
E, o que pode ser o pior de tudo, deixa na boca de cada cidadão de bem um gosto amargo de que, efetivamente, não há esperança de redenção, e no homem de má-fé a tranquilidade para continuar com suas práticas de esperteza, que não tem o que temer.
As consequências sociais desse clima de desesperança podem ser tremendamente nocivas. As pessoas esquecem-se que a convivência social harmônica e pacífica pressupõe confiança e respeito mútuos.
Na ausência desses atributos, tudo passa a ser permitido, chegando-se, facilmente, a um estado de vale tudo e cada um por si. Exemplo marcante é o noticiado recentemente de que em São Paulo, empresas de assistência médica estavam usando as ambulâncias como táxis de luxo, com corridas rápidas a altos preços, porque as ambulâncias têm prerrogativas especiais que lhes permite avançar sinais vermelhos, andar na contramão e terem preferência no trânsito.
Chegou-se ao extremo da incivilidade e da falta de respeito pelo próximo. A todos se engana e somos todos enganados. Num estado de coisas assim, cada vizinho é inimigo e cada irmão um traidor que precisa ser vigiado.
O país está doente! Um país onde não mais se percebe a diferença entre certo e errado, entre a busca de cada um pelo bem de todos e todos buscando seu bem pessoal. O país está muito doente… e a cura não parece estar próxima.
João Manuel Marques Cordeiro é professor da Faculdade de Engenharia da Unesp de Ilha Solteira.