Imagine todo dia você acordar num corpo diferente, mas mantendo a consciência de quem você. Essas transformações permitem ter uma rica visão multifacetada do mundo e, ao mesmo tempo, ser muitos significa não ser ninguém de verdade. 

Essa questão é colocada no filme ‘Todo dia’. A direção de Michael Sucsy toma como ponto de partida o romance ‘Everyday’, de David Levithan. Não se trata de texto ou cinematografia brilhante, mas de um assunto que tem o seu charme e atualidade, pois, numa era de intolerância sob diversos aspectos, entender que os mesmos valores positivos podem estar sob diferentes ‘cascas’ é um exercício.
A tradicional discussão de essências e aparências é tratada de maneira superficial, numa perspectiva adolescente, mas, justamente por isso, o filme funciona. Não existe a pretensão de ser filosófico ao abordar a questão. Há a sincera intenção de contar uma história de amor, o que não é pouco num mundo repleto de mensagens de ódio.
‘Todo dia’ é apenas o que parece ser. Trata, com delicadeza, de uma pergunta assustadoramente complexa: como podemos manter as pessoas queridas perto de nós mesmo quando isso parece impossível? Como aprimorar a habilidade de sermos nós mesmos e respeitar o outro?
Um dos personagens, que se dedica à pintura de retratos após perder o emprego numa seguradora, questionado sobre por que escolheu esse assunto, apenas diz que “pinta aquilo que conhece e que está ao seu redor”: pessoas. Talvez seja isso que falte ao mundo contemporâneo: falar de verdade para quem e sobre quem nos rodeia: seres humanos, lindos e falhos em suas fortalezas e fraquezas.
Oscar D’Ambrosio, mestre em Artes Visuais e doutor em Educação, Arte e História da Cultura, é Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.