A febre da “caneta emagrecedora”: endocrinologista destaca mudanças no comportamento dos pacientes nos últimos anos
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O avanço da medicina trouxe progressos para o tratamento de doenças crônicas como diabetes e obesidade. Na última década, o mais comentado foi o lançamento das “canetas emagrecedoras”, que podem reduzir até 20% do peso e auxiliam no controle da glicemia. Tais medicamentos ganharam popularidade tão rapidamente que, segundo dados do Google Trends de agosto de 2025, as pesquisas pelos remédios já ultrapassavam em 80 vezes as consultas sobre dietas na plataforma.
Embora o tratamento seja inovador – um estudo apresentado na reunião anual da Sociedade Europeia de Cardiologia mostrou que um dos medicamentos reduziu em 57% o risco de AVC, infarto e morte em pacientes com sobrepeso e obesidade -, a Dra. Jacy Maria Alves faz ressalvas diante da complexidade deste novo cenário:
“Vivemos a era do imediatismo, potencializada pelas redes sociais. Atualmente, os pacientes chegam aos consultórios com mais conhecimento – não necessariamente de melhor qualidade – e costumam demandar soluções rápidas. O crescimento do interesse pelos medicamentos injetáveis para tratamento de obesidade e diabetes tipo 2 demonstra muito bem isso: é um excelente tratamento, mas não é milagroso”, afirma a endocrinologista, especialista em neurociências e professora da MEV Brasil – escola referência em ensino de Medicina do Estilo de Vida.
Evidências científicas demonstram que remédios com os princípios ativos liraglutida (Victoza e Saxenda), semaglutida (Ozempic e Wegovy) e o análogo duplo GLP-1/GIP tirzepatida (Mounjaro) levam à melhora significativa da glicemia, pressão arterial e perfil lipídico. Um dos grandes efeitos celebrados é a redução de peso. Mas, como aponta a especialista, sem mudanças de hábitos, todos esses benefícios são rapidamente perdidos e se agregam a outros problemas que a medicação, sozinha, não resolve – ou agrava.
“É necessário um acompanhamento multidisciplinar. É muito comum que, sem o acompanhamento adequado, quem utiliza as ‘canetas’ coma pouco e coma mal, não ingerindo os nutrientes necessários; perca massa magra, além de gordura, o que prejudica a saúde óssea, aumenta a fadiga e reduz a capacidade funcional; e necessite de acompanhamento contínuo e integrado , já que estamos falando de uma perda significativa de peso em pouco tempo, que pode impactar a imagem, autoestima e que necessita de uma abordagem completa para que os resultados sejam sustentáveis”, coloca a professora da MEV.
Com a fama, potencializada pela internet, casos de automedicação tornaram-se comuns, mesmo entre pacientes sem recomendação de uso. Muitos procuravam a promessa de emagrecimento rápido. Contudo, dados publicados na revista científica Obesity Reviews, com 2.300 pacientes após a suspensão do tratamento, demonstraram que 50% sofreram o efeito rebote: recuperaram o peso perdido. A professora associa o efeito à manutenção de hábitos ruins.
“Delegar o cuidado da sua saúde integralmente a um fármaco é como dirigir uma Ferrari em primeira marcha: a potência existe, mas falta técnica para aproveitar plenamente a experiência. Não há injeção ou comprimido que cozinhe por você, que o faça se exercitar diariamente, que desligue o celular às 22h ou que organize sua rotina”, esclarece a doutora.
“O remédio abre o caminho para tomada de decisões mais saudáveis, mas depende do paciente consolidar essa rotina e nós, como profissionais de saúde envolvidos com esse cuidado, precisamos conhecer também estratégias comportamentais para que isso aconteça e que a mudança de comportamento realmente vire hábito, o que depende de um acompanhamento longitudinal e no cuidado centrado na relação e numa verdadeira conexão com o paciente”.
Não existem milagres ou segredos, segundo a professora: o básico deve ser bem-feito. Segundo os pilares da Medicina do Estilo de Vida, que preconiza uma abordagem clínica baseada em mudanças de comportamentos do paciente, é necessário:
- Mudança alimentar, reduzindo ou evitando o consumo de ultraprocessados a favor de vegetais, legumes e frutas naturais, com uma ingestão equilibrada de proteínas;
- Praticar atividades físicas regularmente para a preservação da massa muscular, resistência e força, essências para uma vida longínqua e saudável;
- Sono de qualidade, entre sete e oito horas diárias, ajudando a manejar o estresse;
- Reduzir ou cortar o uso de tóxicos, como álcool e cigarro;
- Cuidar da saúde mental, importantíssima para o equilíbrio de todas as atividades do dia a dia.
Desta forma, as medicações para tratamento de obesidade e seus efeitos terão muito mais impacto na saúde do paciente, durante e após o fim do tratamento.
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