Passaram-se 130 anos desde o fim da escravidão no Brasil, o último país do continente a abolir o regime escravocrata, e a população negra permanece excluída na sociedade, sofrendo com a discriminação e segregação não somente em situações cotidianas desrespeitosas como também no mundo do trabalho. Assim, dados de institutos de pesquisa comumente evidenciam que os negros continuam a ocupar posições subalternas e mal remuneradas no mercado de trabalho, o que está diretamente ligado às dificuldades dessa parcela da população para ocupar cargos de chefia, obter salários equivalentes aos de trabalhadores brancos e ter acesso à educação, especialmente ao ensino superior. Essa desigualdade torna a população negra mais vulnerável às mazelas da pobreza e extrema pobreza, camadas onde prevalecem o desrespeito aos direitos sociais, incluindo à proteção previdenciária e aos direitos trabalhistas.
Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) divulgados em novembro de 2017, a população negra mantém historicamente uma maior representação entre desempregados em alguns dos principais mercados de trabalho metropolitanos. Em pesquisas realizadas nas regiões metropolitanas de Fortaleza, Porto Alegre, Salvador, São Paulo e no Distrito Federal, os dados demonstram que, com a crise política e econômica iniciada em 2015, houve maior aumento da taxa de desemprego entre negros em comparação com o restante da população. ?? importante destacar que as trabalhadoras negras são o grupo mais atingido pela discriminação no trabalho, registrando maiores taxas de desemprego e desnivelamento salarial, não somente quando comparadas à população branca como também em comparação aos trabalhadores negros, o que evidencia uma sobreposição de discriminação racial e de gênero.
Os dados do DIEESE demonstram que, em quase todas as regiões, os negros têm importância reduzida nos empregos da indústria (de maior qualificação técnica e remuneração), enquanto tem uma maior participação no setor de serviços. Nota-se a maior proporção de homens negros na construção e de mulheres negras nos serviços domésticos, inserções, em geral, mais precárias e de menores rendimentos. O setor privado tem maior participação relativa na estrutura ocupacional dos negros, enquanto o assalariamento no setor público tem maior peso na dos não negros.
Além das desigualdades relacionadas ao desemprego, há ainda o desnivelamento salarial dos negros em relação à mesma posição ocupada por um trabalhador não negro. O rendimento dos assalariados não negros demonstrou ser superior ao dos trabalhadores negros em todas as regiões pesquisadas. Segundo dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os negros continuam a ser sub-remunerados pelo seu trabalho. Para efeitos de demonstração, o rendimento médio real de um trabalhador branco no terceiro trimestre de 2017 foi de R$ 2665, enquanto foi registrado rendimento inferior nos grupos que se declararam como pretos e pardos, que receberam em média R$ 1502 e R$ 1492, respectivamente.
Além da discriminação ocupacional e salarial presentes no mercado de trabalho temos, por fim, a discriminação do negro pela imagem, na qual as oportunidades de trabalho são suprimidas em decorrência do preconceito contra características relacionadas à população negra, como pele escura e cabelo crespo. Além disso, há também as situações em que o trabalhador sofre opressão relacionada a sua aparência após a contratação, tendo que conviver com a discriminação dentro do ambiente de trabalho. Há, além disso, a persistência do estranhamento e incredulidade quando uma pessoa negra ocupa cargos de maior posição hierárquica ou maior qualificação. Por fim, é importante notar como o racismo é um componente estrutural do mercado de trabalho brasileiro, no qual a cor influencia diretamente o lugar do negro. Além disso, não podemos ignorar que a mentalidade escravocrata persiste no imaginário social do brasileiro, colocando o negro em estereótipos de inferioridade que precisam ser combatidos. Após a análise dos dados, é interessante notar que os indicadores sociais brasileiros ilustrariam um país menos pobre, caso as diversas esferas do racismo no mercado de trabalho fossem combatidas. Dessa forma, uma estratégia de desenvolvimento para o Brasil passa, necessariamente, pelo combate ao racismo.
Rafael Almeida Ferreira Abrão é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – Câmpus de Marília (contato: ra.abrao@gmail.com).