Passadas a eleição e as primeiras semanas de acertos e “bolas fora” da nova equipe que assumirá o comando do país, a população brasileira começa a vislumbrar a possibilidade de que haverá um futuro melhor. E a menos de um mês da posse do novo governo, há expectativa, incógnitas e muita ansiedade. Mas a tensão emocional geral, se mostra significativamente menor que a pressão angustiante a que fomos submetidos durante o ano que chega ao fim.
No atual período de rescaldo dos sentimentos, advindos desde os impactos dos períodos anterior e posterior ao impeachment, das eleições 2018, e aos quais são acrescentados os quase cinco anos de Operação Lava Jato, a anunciada perspectiva de mudança que emergiu das urnas, serve como estímulo ao desenvolvimento da resiliência. E ainda que a realidade do país, um pouco melhor se comparada ao passado próximo, esteja longe de gerar entusiasmo, e estejamos envoltos por incertezas relacionadas à assertividade da equipe que assumirá em janeiro; se a população não for afligida por novas decepções em relação ao que foi publicizado em campanha, será possível, avançar rumo a reversão do processo de cisão emocional que observamos há anos.
Ao estabelecermos uma analogia entre o processo de recuperação em Saúde Mental da sociedade brasileira, e a reconstrução desenvolvida em tratamentos psicoterápicos, é possível enxergar algumas alternativas de direção a seguir. Os “Pacientes” – indivíduos e populações – que apresentam características biológicas, psicológicas, e relacionais subjetivas (diferentes e individualizadas), em função dos diferentes “Ambientes” em que estão inseridos, poderão, por exemplo, metabolizar esta cisão emocional através da possibilidade de “dar nomes” ou identificar os sentimentos provocados pela vivência das situações abusivas a que foram submetidos pela quebra da ética, corrupção e contínuas tentativas de distorções da realidade.
Agora e após o início do futuro governo, a forma com que as diferentes forças da sociedade irão interagir, será determinante para o sucesso desse idealizado “tratamento nacional de saúde mental”. E somente com a amenização dos sentimentos de medo e revanchismo, e da sabedoria de governar democraticamente, com humildade e pluralidade, será possível reconectar os vínculos emocionais que unem a nação. Convém observar, inclusive, que os veículos de comunicação em geral, e as lideranças políticas preteridas na eleição, exercerão papel significativo em benefício, ou em prejuízo, da população que almeja a recuperação econômica, social e moral. E se é infantil imaginar apoio ao novo governo, mesmo que em benefício do país, se essas forças ao menos revelarem maturidade para respeitar a escolha democrática, e evitarem ações ressentidas e oposição irresponsável, sua atuação irá simplificar o tratamento.
Na união e nos Estados, as novas equipes de governo deverão enfrentar o oceano de desafios a que se propuseram, sabendo que haverá pouca tolerância com erros. E isso porque o paciente precisa de cuidados emergenciais. Por outro lado, é indispensável que a sociedade civil, assim como as forças econômicas, políticas e sociais, esteja comprometida com o país, e entendam que a prioridade, nesse período, é o bem estar do paciente.
O momento exige controle sobre as paixões, solidariedade e inteligência emocional para restabelecer o equilíbrio mental nacional. Após o desastre e o período mais agudo da crise, a reconstrução exige tempo e a participação efetiva de todos.
Prof. Dr. José Toufic ThoméMédico pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Psiquiatra e Psicoterapeuta Psicodinâmico especialista em situações de crises e transtornos da contemporaneidade. Presidente da Unidade Brasil da Rede Ibero-Americana de Ecobioética – Cátedra UNESCO de Bioética. Presidente da Secção Psiquiatria em Crises e Desastres da Associação Mundial de Psiquiatria (WPA na sigla em inglês).