No último dia 30 de junho, a Juíza Ketanji Brown tomou posse como primeira Juíza negra da Suprema Corte dos EUA. Trata-se de evento histórico daquele país, de enorme importância política e simbólica. Jackson é a 116.ª magistrada, a sexta mulher e a terceira pessoa negra a servir na Suprema Corte desde sua fundação, em 1789, há 233 anos.

 

O ingresso da nova Juíza marca também um recorde no número de mulheres na Suprema Corte dos EUA: de um total de nove integrantes, hoje, quatro são mulheres.

 

Se essa indicação tivesse ocorrido no Brasil, sua posse certamente também teria grande relevância social e política, podendo até mesmo ser louvada como mais um ato no combate a discriminação racial, cuja data foi “comemorada” no último dia 3 de julho[1].

 

Na História do nosso Supremo Tribunal Federal, porém, houve apenas três negros que integraram a Corte.

 

O primeiro foi o Ministro Pedro Lessa[2]. Jurista, político e professor, membro da Academia Brasileira de Letras, foi nomeado ao STF pelo Presidente Afonso Pena em 26 de outubro de 1907, tomando posse em 20 de novembro do mesmo ano.

 

O segundo foi o Ministro Hermenegildo Rodrigues de Barros[3]. Promotor Público e depois Juiz de Direito, alcançando a promoção a Desembargador, foi nomeado ao STF pelo Presidente Delfim Moreira em 23 de junho de 1919. Tomou posse no dia 26 de julho seguinte.

 

O terceiro, o Ministro Joaquim Barbosa, foi nomeado em 5 de junho de 2003 pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Advogado e Membro do Ministério Público Federal, tomou posse no dia 25 do mesmo mês, quase 84 anos depois do Ministro Hermenegildo Rodrigues de Barros.

 

Ou seja, desde a sua criação na Constituição de 1824, como Supremo Tribunal de Justiça e posteriormente denominado Supremo Tribunal Federal[4], nossa Corte Máxima teve, como já dito, apenas três negros exercendo o cargo de Ministro. A corte nunca contou com uma mulher negra como ministra em seus quadros[5].

 

A situação é similar nos demais Tribunais Superiores. No Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, apenas um dos 33 Ministros é negro, o Ministro Benedito Gonçalves.

 

Considerando-se que, segundo dados do IBGE, 56% da população brasileira é composta por pretos e pardos, esses fatos podem impressionar em um primeiro momento. Mas não são novidade, infelizmente.

 

Levantamento conduzido pelo Conselho Nacional de Justiça[6] em 2021, por meio de seu Departamento de Pesquisas Judiciárias, mostra que apenas 12,8% de todos os magistrados brasileiros são negros. O mesmo estudo aponta também que 74,2% dos Tribunais e das respectivas Escolas de Magistratura não possuem normativas internas que promovam os temas da questão racial e da diversidade racial e que 67,4% das Escolas de Magistratura não promoveu cursos envolvendo questões raciais nos 12 meses anteriores à pesquisa.

 

Os fatos e os dados oficiais apontam uma incômoda verdade: o Poder Judiciário Brasileiro está longe de representar a diversidade racial da população brasileira que se socorre da tutela jurisdicional para preservar sua liberdade, seus bens e resolver seus resolver seus conflitos de interesses.

 

De fato, ampliando-se o horizonte, negras e negros são pouco representados nos espaços de poder (econômico, político e acadêmico), reflexo da notória, embora muitas vezes subliminar, segregação existente na nossa sociedade.

 

Considerando-se que a maior parte dos 212 milhões de brasileiros são negros, é complicado, para dizer o mínimo, que esses brasileiros não tenham referências da mesma raça ocupando esses espaços. Isso fomenta a imagem de que os negros não podem ocupar cargos de relevância social.

 

Tratando-se de representatividade negra brasileira, embora esta exista em alguns esportes, em alguns setores da sociedade civil e, flagrantemente, na população carcerária, é muito baixa nos quadros de exercício do poder público, que tem por missão garantir o Estado Democrático de Direito: no Legislativo, no Executivo e no Judiciário, objeto deste artigo.

 

Esse quadro leva a crer que não está se dando atenção devida ao artigo 3.º da Constituição. Ora, como poderemos construir uma sociedade livre, justa e solidária, promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” se os fatos e os dados mostram que o exercício da Magistratura parece não estar disponível à população negra do Brasil?

 

Isto posto, surgem as questões: como alterar essa situação? Como tornar o Poder Judiciário Brasileiro mais democrático racialmente e mais sensível às questões raciais?

 

Deve-se, primeiramente, ter-se em mente que vivemos em um país de grandes desigualdades. Compreender essa realidade e sensibilizar-se é o primeiro passo.

 

Poderia haver, por exemplo, concessão de bolsas de estudos às negras e negros que desejam ingressar na carreira da Magistratura. Poderia haver, também, maior ingresso de pretos e pardos por meio do Quinto Constitucional.

 

Em ambos os casos, deve-se, repita-se, estar-se ciente das desigualdades que existem na formação dos bacharéis de Direito.

 

Não se está a defender, aqui, a flexibilização dos critérios técnicos, profissionais, acadêmicos, éticos e morais que norteiam a escolha dos futuros Magistrados. Apenas está-se apontando a necessidade de que esses critérios sejam, na respectiva seleção, aplicados de forma justa e proporcional.

 

Deve, também, haver, dentro dos Tribunais e das respectivas Escolas da Magistratura, uma atenção maior às questões que envolvem as disparidades raciais, seja por meio de ações de promoção social, seja por normativas e cursos técnicos específicos.

[1] A data faz alusão à Lei Afonso Arinos (n° 1.390/1951), sancionada pelo Presidente Getúlio Vargas, em 3 de julho de 1951. Foi a primeira norma brasileira contra preconceito de raça e cor da pele, embora  essa lei não trate o racismo como crime, mas como contravenção penal, infração penal tida como de menor gravidade.

 

[2] https://portal.stf.jus.br/ostf/ministros/verMinistro.asp?periodo=STF&id=113

 

[3] https://portal.stf.jus.br/ostf/ministros/verMinistro.asp?periodo=STF&id=170

[4] A denominação “Supremo Tribunal Federal” foi adotada na Constituição Provisória publicada com o Decreto n.º 510, de 22 de junho de 1890.

[5] Até a data da elaboração deste artigo, apenas três mulheres foram nomeadas Ministras do STF: Ellen Gracie (2000-2011), Carmen Lúcia (desde 2006) e Rosa Weber (desde 2011).

[6] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/rela-negros-negras-no-poder-judiciario-150921.pdf