Será meu primeiro furacão. As notícias catastróficas sobre o furacão Irma vêm bombardeando a mídia aqui na Flórida faz aproximadamente uma semana, aumentando em número e grau de alarme conforme a tempestade se aproxima da península. Estou situado na região da baía de Tampa, na Universidade do Sul da Florida e por aqui ainda não foi dada ordem de evacuação, mesmo assim o clima é tenso. Aulas canceladas, supermercados com prateleiras vazias de mantimentos, filas enormes e hostis durante a noite na rede Walmart, para comprar galões de água (agora limitados a um por pessoa cada vez que o estabelecimento se reabastece). Desde o início da semana se iniciou um êxodo para os estados mais ao norte, mas quando fui confrontado com essa possibilidade, pairou o fantasma da incerteza do Furacão simplesmente desviar e entrar justamente por esses estados. O clima é muito parecido ao de filmes norte americanos sobre apocalipse, agora consigo ver claramente de onde vem a inspiração.
Atrincheirado numa região que supostamente é segura, com janelas e portas de vidro barradas, água, comida, baterias e mantimentos estocados, assisto a calmaria antes da tempestade, os últimos dias da semana tem sido de Sol e céu azul, inclusive com arco-íris ocasionais causados por chuviscos de verão. Dentro de casa o clima é menos calmo. Assistir o noticiário parece um masoquismo social inescapável, visto que esse tipo de fenômeno meteorológico pode mudar de trajetória, força e velocidade a qualquer momento, levando a que ao longo do dia sejam exibidos um milhão de previsões incertas que só aumentam a angustia do que está (ou não) por vir. Olhar as imagens de por onde Irma já passou é outra das atividades de autoflagelo mandatórias.
Já tinha ouvido falar que furacões mexem com a psique humana, baixa a pressão atmosféricas e as pessoas começam a agir de forma estranha, nunca tinha dado a devida atenção para isso, mas agora sinto esse efeito na pele. Até com pessoas mais próximas se sente uma vulnerabilidade coletiva ao mau humor, que vem acompanhando pela bipolaridade social responsável por comentários de “vai ser tranquilo” e “vai dar tudo certo” são imediatamente sucedidos por “vamos todos morrer”. A verdade é que teoricamente estamos preparados para o pior, todas as precauções foram tomadas (inclusive as mais estranhas, como esconder as facas de cozinha) e existem abrigos e planos de evacuação, ainda mais em uma zona universitária como a em que estou. Mas o que mais me chama atenção é que enquanto nem sabemos como e quando o furacão Irma em forma de fenômeno meteorológico vai chegar, sua forma psicológica já paira sobre a Flórida.
Alfredo Juan Guevara Martinez é mestre em Relações Internacionais pela PUC-MG, doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU) e do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da UNESP (IEEI-UNESP). Atualmente é Visiting Scholar na University of South Florida, trabalhando no Institute for the Study of Latin America and the Caribbean (ISLAC).