O ex-prefeito de Nova Odessa, Bill Vieira de Souza (PSDB), é alvo de uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, que investiga a possível prática de improbidade administrativa na dispensa de licitação em dois processos realizados em 2020 para a aquisição de testes e exames laboratoriais de identificação do novo coronavírus (Covid-19). Bill inclusive chegou a ter R$ 53,2 mil bloqueados de uma conta.
A promotora de Justiça Beatriz Binello Valério ingressou em 24 de março com a ação pelo MP-SP, em razão dos procedimentos realizados para a contratação de serviços hospitalares no primeiro semestre do ano passado, já na pandemia de Covid-19. O caso foi remetido para a Justiça de Nova Odessa, ficando a cargo da juíza Eliane Cassia da Cruz.
Constam como réus na ação, além do ex-prefeito, uma servidora municipal (D.C.), um procurador (A.A.B.) e empresas com sede em Indaiatuba, Osasco e Ferraz de Vasconcelos, assim como seus representantes legais. Bill e os servidores ficam sujeitos a pena de multas relativas a remuneração e valor do dano, além da suspensão dos direitos políticos – três a oito anos.
Conforme descrito no processo, independente da autorização de dispensa de licitação, a lei exige um procedimento administrativo prévio de cotação de orçamento e pesquisa de preços para justificar a empresa escolhida e os valores contratados. No caso em questão, foi feita pesquisa comparativa de preços com três empresas, todas rés no processo.
Para o MP-SP, “constatou-se a existência de fraude no procedimento de dispensa em razão de estreitos vínculos familiares entre os sócios das empresas que participaram dessa primeira pesquisa”. As circunstâncias colocam em dúvida a lisura da pesquisa de preço no procedimento de dispensa. Teria havido uma simulação em ‘conluio’ da Prefeitura e das empresas envolvidas, cuja vencedora já era uma “carta marcada”.
Leis
A promotora cita que as partes devem ser responsabilizadas nos termos da Lei de Improbidade Administrativa e da Lei Anticorrupção, mesmo sem ter havido faturamento deste contrato, pois houve ofensa dos princípios administrativos. Cientes de que os fatos estavam sendo investigados, os réus rescindiram o contrato inicial pela suposta falta de um documento.
No entanto, segundo apuração do Núcleo de Apoio Técnico do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, “na verdade a rescisão ocorreu como forma de tentar escapar de responsabilidade na esfera cível, criminal e administrativa”. Tal situação não é admitida pelos órgãos judiciais, uma vez que “a simulação fraudulenta foi consumada”.
Em seguida foi realizado novo levantamento de preços pela Prefeitura, mais uma vez com o laboratório de Indaiatuba participando junto de outras duas empresas, apresentando o menor valor. O município adquiriu 500 testes pela metodologia PCR e 1.000 do tipo IGG, no valor total de R$ 430 mil. E, segundo o MP-SP, teria havido “nova simulação fraudulenta”.
Uma das empresas seria “fantasma”, “de fachada”, com sede em Ferraz de Vasconcelos e sem possuir funcionários registrados ou histórico de prestação desse serviço. A outra participante, de Piracicaba, vinha cobrando preços bem inferiores para os exames laboratoriais de Covid-19 em comparação ao orçamento encaminhado à Prefeitura de Nova Odessa.
O Ministério Público alega ter constatado “diversos elementos de identidade” entre as duas empresas, ficando claro que pertenceriam a um mesmo grupo econômico (de forma clandestina). Além disso, foi encontrada “forte proximidade” das duas empresas com as que participaram da primeira dispensa de licitação.
Preços
Mesmo a empresa de Indaiatuba apresentando o menor preço, não estava em consonância com o valor médio de mercado. O MP aponta ter havido o “superfaturamento” no referido contrato. É alegado sobrepreço de R$ 149,6 mil, ou seja, 34% de superfaturamento. O novo contrato acabou também rescindido, após ser parcialmente executado e pago R$ 156 mil.
Ou seja, a lesão ao erário público teria somado R$ 53.152,20. Portanto, ocorreu a “violação aos princípios da impessoalidade, legalidade e da moralidade administrativa na primeira dispensa, além de dano ao erário por superfaturamento na segunda dispensa”. Por isso, a promotora quer os envolvidos respondendo por improbidade e corrupção nas duas vezes.
O ex-prefeito responde por ter homologado todos os atos praticados, enquanto os servidores municipais por colaborar na fraude e a empresa beneficiária e os particulares serem cúmplices na simulação. O MP-SP pediu a indisponibilidade dos bens dos réus, além de solicitar que Bill, a servidora concursada e o procurador do município sejam condenados.
Na última quinta-feira (8), Bill foi surpreendido ao tentar realizar uma operação bancária e receber a informação de que não tinha saldo suficiente na conta do Banco do Brasil. O ex-prefeito constatou que houve o bloqueio judicial do valor (R$ 53.152,20) e, como não havia saldo positivo, com o uso do limite do cheque especial a conta ficou negativa em R$ 60.252,20.
Na data, Bill receberia o salário pelo cargo comissionado de diretor-executivo na Agemcamp (Agência Metropolitana de Campinas), de R$ 8.613,23. Mas o dinheiro também ficou bloqueado. O ex-prefeito solicitou através de advogados na sexta-feira (9) o desbloqueio da conta, porque seria a ‘única fonte de renda’ e isso impediria o sustento dele e da família.
Resposta
O Novo Momento solicitou o posicionamento do ex-prefeito de Nova Odessa, cuja assessoria enviou uma nota assinada apenas pelo ex-secretário de Administração da Prefeitura, Julio Cesar Camargo. Segue abaixo a íntegra:
“Todos os contratos firmados pela nossa administração estão regulares e seguiram as normas previstas para a realização das compras emergenciais, visando garantir a boa utilização dos recursos públicos.
Importante ressaltar também que o decreto 4.180, de 23 de março de 2020, criou a Comissão Especial de Compras com a exclusiva finalidade de formular, recepcionar, tramitar e finalizar os procedimentos para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde, destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus, comissão essa composta, em sua grande maioria, por servidores concursados.
Em relação ao contrato número 28/2020 (que foi rescindido e que não gerou nenhuma despesa ao município), despacho do próprio Ministério Público de Contas datado de 30 de outubro de 2020 e assinado pela procuradora Renata Constante Cestari, atesta que os documentos apresentados pela Administração foram “suficientes para elucidar a questão, afastando, por conseguinte, qualquer irregularidade”.
Já em relação ao contrato 44/2020 – que não envolve compra de kits, mas, sim, de um serviço que contempla mão-de-obra e materiais -, importante salientar que foi realizada pesquisa de inclusive, com consulta no Painel de Compras do Governo Federal (referência nacional), além de reportagem veiculada em jornal de grande circulação.
Importante também destacar que, à época da compra, não havia testes confiáveis disponíveis no mercado e a realização dos testes via laboratório se mostrava mais eficiente, conforme atestou a equipe técnica do Hospital Municipal e Maternidade Doutor Acílio Carreon Garcia.
A nossa administração sempre informou, semanalmente e de forma espontânea, as despesas relacionadas ao Covid-19 – seja aquisição de serviços ou materiais – ao Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado). E todas as devidas justificativas já foram apresentadas junto ao processo eletrônico no Tribunal de Contas do Estado, que ainda está em andamento.
É motivo de orgulho ter tido as contas aprovadas pelo TCE entre 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018 e também pela Câmara de Vereadores. Enfrentamos, nesse período, verdadeiras tormentas, como a crise hídrica, a crise política e a crise financeira, e mesmo assim, honramos todos os nossos compromissos, seja com nossos servidores ou fornecedores. E isso só é possível quando se promove um governo sério e transparente”.
Depois a assessoria do ex-prefeito enviou outra nota, acrescentando falas de Bill: “Causou-me estranheza a citação do meu nome nesta ação, uma vez que o prefeito não é ordenador de despesas. Por outro lado, tenho absoluta confiança nos profissionais que cuidavam de todos os processos e a certeza de que vamos provar que não houve qualquer irregularidade neste contrato que sequer foi julgado pelo TCE”.