Em uma recente intervenção do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais, foi trazido à baila novamente o tema do trabalho infantil. O presidente relatou ter trabalhado ???duro??? em uma fazenda aos dez anos de idade e que isto nenhum mal lhe causou.
A Constituição Brasileira, em harmonia com as Convenções da Organização do Trabalho 138 (idade mínima para o trabalho) e 182 (piores formas de trabalho infantil), proíbe o trabalho de crianças e adolescentes até 16 anos, salvo na condição de aprendiz, permitindo-se nesse caso, o trabalho a partir dos 14 anos.
Art. 7º, XXXIII: ???proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz???. (aprendiz é o jovem de 14 a 14 anos ??? art. 428 da CLT).
Segundo dados de 2019 da OIT, Organização Mundial do Trabalho, há no mundo 152 milhões de jovens entre 5 e 17 anos executando trabalho, das quais 73 milhões executam trabalhos perigosos. 108 milhões estão na agricultura com 75 milhões delas não remuneradas trabalhando na própria família.
Conforme números do IBGE de 2016, crianças e jovens entre 5 a 13 anos de idade, 26,0% recebiam remuneração. Com o aumento da idade, entre 14 a 17 anos 78,2% recebem alguma remuneração.
Neste ambiente é de se ressaltar a persistência do trabalho doméstico, não aquele de simples cuidados com os próprios objetos ou para secar louça, ajudando os familiares, mas verdadeiro trabalho de empregado doméstico. A Convenção 182 da OIT, que completa 20 anos em 2019, e foi ratificada pelo Brasil, trata das Piores Formas do Trabalho Infantil, e incluiu o trabalho doméstico em rol de atividades impróprias. Infelizmente a prática ainda subsiste no país, e a declaração do presidente deu a entender que o trabalho desenvolvido em sua infância ocorreu não só em ambiente familiar como também na agricultura.
Como exemplo da prática, em recente decisão do Tribunal Regional do Trabalho, foi reconhecido vínculo de emprego entre uma jovem e seus ???cuidadores???.
A notícia, extraída do site do próprio Tribunal, traz o relato ???do caso de uma adolescente de 12 anos que foi levada da casa dos pais, em Araçuaí, no norte de Minas Gerais, para ser babá na cidade de Salgueiro, em Pernambuco (…). A história da adolescente teve início em 2011. Ela foi contratada por um casal do município de Salgueiro para ser cuidadora das duas filhas. Na época, uma estava com sete anos e a outra com um ano de idade. A adolescente morou na casa da família pelo período de dois anos, exercendo a função de babá das duas menores, principalmente no período da tarde, já que de manhã frequentava escola pública???.
Neste caso, a adolescente residia na casa dos empregadores, estudava em escola pública, enquanto as crianças que cuidava em escola particular.
O trabalho ocorria em troca de residência e alimentação, como demonstra o relato.
Mas não é só. No Brasil, ainda existe a servidão infantil, comumente denominada adoção à brasileira. A prática consiste na adoção de crianças nascidas em famílias pobres ou que não desejam criar um filho e entregá-las para a adoção. Ocorre que a adoção, na verdade, esconde a servidão infantil, servindo a criança para cuidar dos afazeres domésticos.
Nesse caso, a Justiça do Trabalho apenas poderá atuar para reconhecer o vínculo de emprego, ainda que o trabalho seja proibido, determinando o pagamento de verbas trabalhistas e previdenciárias. A investigação da prática criminosa caberá ao Ministério Público Estadual e Polícia Judiciária.
Investigar o trabalho infantil doméstico é muito difícil, pois este ocorre no ambiente do lar, é tido como problema do vizinho e culturalmente aceito como forma de educar a criança. Por tudo isso ainda levará tempo para ser erradicado do país.
A proibição do trabalho precoce não é só de interesse social. Na batalha do emprego, inovação tecnológica e automação, em breve não haverá mais vagas para trabalhos sem qualificação. Por isso, se o Brasil desejar despontar com força para criação de patentes, desenvolvimento de tecnologia e operação dos equipamentos gerados por essas tecnologias, deverá investir na formação e educação das crianças e jovens.
Sobre Dr Cassio FaeddoAdvogado. Mestre em Direitos Fundamentais, MBA em Relações Internacionais – FGV SP. – www.instagram.com/faeddo