Há um ano uma das maiores cabeças pensantes do século XX nos deixou; Umberto Eco faleceu em 19 de fevereiro de 2016, deixando uma lacuna que dificilmente será preenchida, ao menos em breve. Recentemente, outros dois grandes pensadores, Todorov e Bauman, que ocupavam o cenário mundial das academias e do pensamento contemporâneo, com suas reflexões inteligentes e persuasivas sobre a condição humana no mundo da internet e da comunicação célere e fulminante, foram fazer companhia a Eco no primeiro dos montes de Parnaso (ou no Limbo do Inferno de Dante, por terem renunciado à fé cristã ou por não a terem professado ao longo da vida). Cabe a pergunta: esses gênios serão substituídos em breve ou constituíram a última leva de um mundo em que não haverá mais espaço para eles?

Primeiramente, seria preciso definir o que é um gênio e se ele tem ou não consciência da sua “condição especial” e do seu papel na sociedade. Todorov, Bauman e Eco foram gênios, cada um a sua maneira, porque o talento inegável de cada um deles manifestou-se quase espontaneamente, pois não basta dizer que tiveram a chance e souberam colher a ocasião, dela aproveitando-se inclusive para a obtenção de prestígio e de acumulação de vil metal. Eco, por exemplo, foi gênio até na busca do sucesso, não obtido, como afirmam alguns e seus detratores, por meio do uso de pastiches e fórmulas  “comerciais”, e sim pela sábia reutilização de reflexões e situações presentes nos clássicos e que se tornaram eternas justamente porque propuseram um desafio ao tempo e dele saíram vencedoras.
O nome da rosa, sucesso mundial de Umberto Eco, consagrando-o também como escritor, pois já era considerado antes um grande crítico literário e filósofo, tem a marca registrada do gênio pela costura sábia dos grandes clássicos, italianos (Manzoni) ou não, com a literatura de entretenimento (como os romances policiais de Agatha Christie e Conan Doyle). Eco nunca escondeu o seu fascínio por todos os aspectos que concernem à vida humana, e não apenas pelos que são pertinentes ao âmbito acadêmico  ou ao escritor “profissional”, e também nisto reside a sua genialidade.
Comparar Eco a Leonardo da Vinci, porém, ou de qualquer maneira ao homem “completo” e “perfeito” renascentista, como querem alguns, não me parece o caminho certo para entender a genialidade de Eco. O universo de Leonardo da Vinci não pode ser comparado ao do ilustre escritor piemontês morto há um ano, porque a carga de informações (e as tremendas pressões) recebidas  e assimiladas por ele foram extraordinariamente maiores e de outra natureza. 
Além do mais, Leonardo expressava a sua incomum genialidade preferencialmente pela pintura, enquanto Umberto Eco era um artista da palavra e, sobretudo, das profundas reflexões sobre o ser humano em geral e sobre as várias formas de comunicação em uso na sociedade contemporânea.
Na minha modesta visão, o gênio do escritor-filósofo de Alessandria, mais até do que nos brilhantes tratados de semiótica, se manifestava principalmente nas suas breves crônicas, entre as quais podemos citar, a título de exemplo, as que publicava na ‘Bustina di Minerva’, na revista italiana “L’Espresso”. Com finíssima ironia, ele demonstrava como a lente da verdadeira cultura, e não a falsa erudição, pode iluminar e esclarecer a visão míope que o “não-gênio” muitas vezes possui a respeito da realidade que o cerca. Assim como os grandes poetas (ou os santos), a lúcida e arguta visão de Eco se manifestava analisando muitas vezes os fatos mais aparentemente banais do cotidiano. Quando tratava de assuntos políticos, embora manifestasse claramente as suas opções, demonstrava coerência e lucidez, sem tomar partido e sem inúteis rancores ou revanchismos. São estes os aspectos que diferenciam os gênios, ao menos no contexto do século XXI.
Até mesmo nas fantásticas homenagens feitas aos grandes do passado nos seus escritos ele demonstrava claramente a marca do gênio. Longe de constituírem fórmulas encomiásticas banais, em suas obras há homenagens a todos os grandes filósofos da humanidade reunidos em versos juvenis (depois publicados no “Diário Mínimo”) que cronologicamente, dos pré-socráticos a Heidegger, sintetizam, até com uma ponta de fina ironia, a história da filosofia ocidental. Isto tudo escrito por um jovem de 28 ou 29 anos. Para não falar da paródia escrita nos mesmos moldes dos hendecassílabos de Dante de alguns cantos da Divina Comédia, entre os quais o XXXII do Inferno (o do Conte Ugolino), escrita na maturidade e publicada por uma editora “alternativa”, na qual há inclusive o uso cômico do palavrão para parodiar o trágico fim de Ugolino, condenado a morrer de fome numa torre medieval na companhia dos filhos. Trata-se ou não de dois claros exemplos de genialidade?
Enfim, não acredito que possam surgir em breve figuras da estatura intelectual de Eco (ou de Todorov e Bauman). A banalização promovida pelo excesso de informação da internet e pelas fofocas eletrônicas do facebook esmagará sempre mais os verdadeiros talentos que serão relegados à marginalidade ou ao ostracismo. Eco condenou publicamente a banalidade e a vulgaridade do facebook e nisto também foi genial e profético: estamos caminhando para um período obscuro e, sem os gênios verdadeiros, quem vai nos iluminar o caminho?