O Brasil tem como meta reduzir o consumo de açúcar em alimentos industrializados na ordem de 144 mil toneladas até o final de 2022. O acordo entre o governo e a indústria é considerado como um dos caminhos para combater a obesidade da população, que leva ao desenvolvimento de doenças graves como o diabetes.

Os sucos naturais não entraram nessa lista, no entanto, podem ser uma alternativa ainda mais saudável com o valor calórico reduzido e uma vantagem competitiva para a indústria. Daí a importância de uma tecnologia desenvolvida na Unicamp que teve a estratégia de proteção, com pedido de patente depositado no INPI, feita pela Agência de Inovação Inova Unicamp.

O processo reduz o teor de sacarose em soluções aquosas e sucos naturais com uso da nanotecnologia e pode ser uma opção para aumentar a oferta de alimentos hipocalóricos para a população. A sacarose constitui o açúcar de mesa e está presente em diversos alimentos como as frutas. Na laranja, representa aproximadamente 60% das moléculas de açúcar que compõem o suco da fruta.

“O suco de laranja tem a frutose, a glicose, a sacarose, além de várias fibras, flavonas, água, vitamina C e vários outros compostos. Desenvolvemos um modo de buscar a sacarose, sem deixar vestígios ou interferir na composição e propriedades organolépticas do suco, como se fosse uma pesca”, diz Ljubica Tasic, professora e pesquisadora do Instituto da Química (IQ) da Unicamp.

A pesquisa partiu do suco de laranja motivada pela expressiva produção da fruta no país. O Brasil é o maior produtor e um dos principais fornecedores de suco de laranja para o mundo. O país concentra 35% da produção global de laranja e fabrica três de cada cinco copos da bebida consumidos em todo planeta, segundo dados do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus).

A ISCA PARA ATRAIR A SACAROSE

O método para produção de sucos hipocalóricos inclui a preparação de uma isca projetada para remover a sacarose pela modificação da superfície de um magneto. A equipe de pesquisa – formada integralmente por mulheres – desenhou e sintetizou nanopartículas de magnetita. Em seguida, esse óxido de ferro nanoestruturado foi revestido com um material inerte e funcionalizado com a enzima invertase, responsável pela aceleração da reação química para quebra das moléculas de açúcar.

“A invertase é isolada de um fermento biológico e tem uma interação altamente específica, perfeita para isolar as moléculas alvo, pois não interage com outros componentes presentes em uma suspensão tão complexa como o suco de laranja, diferente de outros métodos de obtenção de sucos de baixa caloria que usam coluna e filtração”, explica.

Dessa forma, foi possível isolar a sacarose sem alterar as propriedades tão apreciadas no suco de laranja, como o aroma, a cor, a textura e o sabor. Além de reduzir etapas industriais que poderiam eliminar aspectos nutricionais e sensoriais desejáveis nos sucos, como as fibras e os gruminhos de laranja. Para separar as nanopartículas da sacarose após o processo de “pescagem” foi usado um imã.

Desenho mostra ciclo da pescagem da sacarose

As nanopartículas são recuperadas com a ajuda de um imã e podem ser reutilizadas por dez ciclos sem perda de ação. (Crédito: Ljubica Tasic)

A separação magnética é utilizada em outros setores da indústria de alimentos e bebidas. Na produção de vinhos, auxilia na remoção de proteínas de turbidez. Outros exemplos são a clarificação de sucos de frutas e a remoção de soro de leite. O uso das nanopartículas – que são menores do que as microesferas geralmente aplicadas – é visto de forma promissora devido à maior área de contato em relação ao volume.

As nanopartículas de óxido de ferro já são permitidas para uso como corante e aditivos alimentares, e foram aprovadas pela FDA (agência americana de regulação de alimentos e drogas) para uso em seres vivos. Na indústria farmacêutica são aplicadas em testes de PCR para purificação das amostras e detecção do RNA viral.

REAPROVEITANDO O AÇÚCAR DO SUCO DE LARANJA

O  processo desenvolvido com a invenção “oferece enorme potencial do ponto de vista científico e econômico”, diz o texto encaminhado pela Agência de Inovação Inova Unicamp com o pedido de proteção da tecnologia.  Nos ensaios feitos no Laboratório de Química Biológica, do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, o nanomaterial foi reutilizado por dez rodadas consecutivas sem perda da capacidade de captura da sacarose e da atividade da invertase.

A captura também ocorreu sem a ocorrência de hidrólise (reação química que promove a quebra da ligação da sacarose em unidades menores). “Descobrimos que a invertase, no pH baixo do suco de laranja, é inativa para outras moléculas e não conduz à catálise o que permite recuperar o açúcar de duas formas”, conta Tasic. O estudo foi publicado na Royal Society Chemistry.

A sacarose retirada do suco de laranja pode ser aproveitada como açúcar tradicional de mesa ou açúcar invertido (conhecido também como mel de açúcar), agregando valor à produção e com possibilidade de redução das áreas cultivadas. A próxima fase é escalar os testes para uma planta industrial. Para isso, a Inova Unicamp busca parcerias com empresas.