O ano de 2017 marca os duzentos anos de uma das passagens mais importantes no processo de formação do Brasil: a Revolução Pernambucana de 1817. Ainda que seu papel como vanguarda da Independência (1822) provoque debates, não há discordâncias acerca do seu horizonte autonomista e republicano, antecipando pautas que se apresentariam nas décadas seguintes.
Sua origem está intimamente relacionada com as mudanças impostas pela transmigração da corte portuguesa para o Brasil (1808) e a imediata abertura dos portos. Juntas significaram uma profunda mudança na realidade local, em especial com a transformação da cidade do Rio de Janeiro em sede do vasto Império Português.
A capital carioca substituiu o controle metropolitano de Lisboa na nova geografia do poder colonial, angariando vantagens e recursos oriundos da sua recém-adquirida e inusitada posição. Por outro lado, outras regiões brasileiras se ressentiam não apenas deste predomínio, mas também dos altos impostos destinados tanto à manutenção da família real na cidade, como para cobrir as despesas de guerra iniciadas no Prata e na Guiana após a chegada.
Em Pernambuco, a vinda corte coincidiu com um ciclo de grande enriquecimento proveniente do algodão, após um longo período de predomínio açucareiro. Se beneficiando da abertura dos portos, o produto saia da região diretamente para os países industriais, sendo escoado diretamente pelo porto de Recife, que se transformou em um entreposto de intenso trânsito comercial.
Na esteira das mercadorias e divisas, os comerciantes que ali aportavam trouxeram também novos conceitos e ideias, eminentemente inspirados pelo vitorioso movimento de independência dos Estados Unidos (1776) e da Revolução Francesa (1789). Em seu conjunto os ideais se somavam com as já existentes divergências do estatuto colonial e das restrições impostas pela corte no Rio de Janeiro, que unidas a indignação disseminada sobre os altos impostos, se converteu em um movimento crescente de contestação. No mais, o passado de luta contra os holandeses e o forte senso de identidade e coesão na região, ajudavam a fomentar sentimentos autonomistas.
A insatisfação se agravou com a criação de uma política de favorecimento de comerciantes portugueses na região, em uma tentativa de diminuir suas perdas com o fim do exclusivo colonial, resultando em um aumento dos preços de diversos alimentos de primeira necessidade. Ademais, duras secas atingiram a região nos anos de 1815 e 1816, afetando especialmente o complexo de produção de algodão, intensificando a crise econômica e social.
O clima de insurgência era fomentado em espaços de discussão, como nas lojas maçônicas, que se transformaram centros de atividade revolucionárias. Antecipando qualquer sublevação, o governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro ordenou no dia 6 de março a prisão de suspeitos de conspirar contra a tranquilidade pública. No entanto, após o capitão de artilharia José de Barros de Lima resistir a ordem e matar seu superior, houve uma intensa reação amparada pelo sentimento disseminado de insatisfação que levou os revoltosos a tomarem o poder.
Um governo provisório foi instituído, sendo integrado por notáveis que procuraram dar densidade ao movimento por meio da redação de uma Lei Orgânica que estabelecia um regime soberano e republicano. Se estabeleceu também a defesa de princípios liberais como a liberdade de imprensa e a igualdade entre os cidadãos livres, enquanto no plano prático se procurou garantir o apoio popular diminuindo impostos, aumentando o soldo e liberando presos políticos, ajudando a garantir a adesão de Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. No plano externo, se procurou apoio e reconhecimento na região do Prata, Estados Unidos e Inglaterra, sem grandes resultados.
A manutenção da escravidão gerou discordâncias internas, especialmente em setores receosos dos efeitos da eventual abolição, quebrando qualquer possibilidade de união do movimento. A reação enérgica de D. João IV ajudou a inviabilizar novos avanços e, em aproximadamente dois meses, as forças do governo republicano foram sufocadas pela ação conjunta de um bloqueio marítimo e de forças enviadas por terra da Bahia. A repressão foi imediata, impondo penas de morte para seus principais líderes e centenas de outras prisões.
Apesar do fracasso da insurreição que criou a curtíssima República Pernambucana de 1817, a tentativa colocou no primeiro plano as vozes dissonantes do período joanino, descontentes com a opressão da Coroa portuguesa em uma retórica independentista. Sua memória guarda para os dias de hoje importantes reflexões sobre uma das mais emblemáticas experiências políticas na construção do Brasil e a permanência de pautas ainda inconclusas.
Daniel Rei Coronato é doutorando em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP) e pesquisador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI-Unesp). E-mail: daniel_coronato@hotmail.com