Um dos mais argutos filósofos, de certo modo desconhecido, Frans Schopenhauer, sustenta que a vontade é o motor (coisa-em-si) de tudo quanto existe, natureza, homem, humanidade; não se trata da vontade individual de comer, por exemplo, mas da grande vontade que movimenta todos os fenômenos. Expôs o filósofo sua teoria num dos mais preciosos livros dos dois últimos séculos, denominado  “O mundo como vontade e como representação”.

O problema é que a vontade, voltada ao melhor mundo possível, como dizia seu colega Leibniz, é constatada, no mundo real, com sua negação reiterada. A vida proporciona tristezas que são mais contundentes, e perduram mais em nossas memórias, que os passageiros momentos de alegria. Estes são muito mais fugazes, passageiros. Todos sentimos que é assim mesmo.                                                  A humanidade fica mais sujeita aos sofrimentos, que marcam a existência geral. Por isso, nosso pensador foi conhecido como o filósofo do pessimismo, o que deve ter justificado a fuga de seus seguidores, porque todos nós queremos ser felizes e temos medo das tragédias. Qual a razão de viver um mundo de sofrimento? Entretanto, no exame profundo de sua filosofia, vemos conceitos perturbadores dessa simples desolação: conhecer a verdade faz com que o homem conviva com os ventos contrários; e aprofundar nossa felicidade, torná-la possível em cada momento da vida, é nossa grande luta para escapar daquela vontade fundamental e incontrastável, metafísica, da “sofrência”.
Decorre que nenhum homem, por seu carisma, por sua capacidade de comunicação às grandes massas, por sua vocação à liderança, consegue transformar esse estado de coisas, que é dependente de cada um de nós, não de um outro homem, por mais poderoso que seja.
Consequentemente, o culto da personalidade é uma redução ao absurdo de nossa consciência. Alienamo-nos e deixamos a outrem o encontro de nossa felicidade.
Fés religiosas como as que encontramos no budhismo, no brahmanismo, no catolicismo, condenam o culto da personalidade. No entanto, o homem, em sua fragilidade psíquica e espiritual, em sua história, busca o nirvana, a terra prometida, o paraíso, na ação política de outros homens. Os tempos mais recentes conviveram com o culto à personalidade de Vladimir Lênin, Joseph Stálin, Adolph Hitlher, Mao Tsé Tung. Todos os resultados frustrantes do acontecimento dito como AQUELE QUE VIRÁ, MAS QUE NUNCA VEIO E N??O VIRÁ, estão aí, devidamente registrados.
No Brasil, talvez não pudéssemos fugir do fenômeno. Conhecemos os episódios de Antonio Conselheiro, Padre Cícero e, em tempos modernos, a adoração de Lula, por expressiva parte da população, especialmente do sofrido nordeste. Este último atinge o término do culto, que não poupou nenhuma das personalidades veneradas, do modo menos nobre possível, prisão por corrupção comprovada. O homem endeusado, em seu íntimo, tinha fragilidades que vontades coletivas não poderiam admitir.                                           ?? provável que hoje seja seu primeiro dia de encarceramento. O culto transforma-se numa peça teatral de tragédia, encenada por seus adeptos, que fazem do acontecimento algo extraordinário e que confirma a percepção do filósofo alemão: o mundo objetivo é feito de ilusões, que somente cada um de nós pode desfazer, por meio do conhecimento do real e das práticas menos gananciosas, satisfeitas nossas necessidades materiais razoavelmente, como a arte em geral, a poesia, a música, a pintura, a arquitetura, enfim de tudo aquilo que pode transformar nossas vidas para o bem, independentemente de esperarmos um milagre a cargo de um outro ser humano, tão limitado como nós.
Hoje é o dia brasileiro da demonstração do equívoco das esperanças vãs, do culto da personalidade e de um dia sublime, em que um notável acontecimento histórico transformaria para melhor nossas vidas.
Amadeu Garrido de Paula, é Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.