Faltam cinco anos para o centenário da Semana de Arte Moderna. Realizada nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, ela é considerada o marco inicial do Modernismo no Brasil. A contagem regressiva para a efeméride não se deve apenas à prática publicitária adotada nos dias de hoje para chamar a atenção para o evento, mas expressa uma preocupação de ordem historiográfica: com tantas mudanças e ocorrências no campo das artes neste século XXI, será que alguém ainda se lembrará de comemorar a Semana em 2022?
A dúvida faz jus à própria história do happening modernista, que não foi logo reconhecido como proposta revolucionária para as artes brasileiras. Somente após os anos 1960, quando seus principais atores já estavam mortos, foi que se começou a valorizar as sementes inovadoras lançadas em 1922 e as obras publicadas nos anos seguintes. Mesmo Oswald de Andrade, talvez o principal agitador daquele movimento, esteve fadado ao esquecimento, de onde foi retirado pelos estudos pioneiros de Mário de Silva Brito, Antonio Candido e Haroldo de Campos.
Como se sabe, a Semana foi patrocinada pela elite cafeeira paulista e realizada no pomposo Teatro Municipal de São Paulo, que havia sido inaugurado onze anos antes. Foi prestigiada por pessoas ilustres da Cidade que aplaudiram entusiasticamente supostos versos futuristas que não chocavam ninguém. Aliás, nessa época o Futurismo já era antigo, pois fora lançado na Europa em 1909, e o ideário moderno, mais antigo ainda, praticado nos fins do século XIX por Baudelaire, Mallarmé, Verlaine. E mais: algo parecido com a Semana já tinha sido realizado vinte anos antes no Rio de Janeiro pelos simbolistas brasileiros. Sem pompa nem divulgação organizada, eles praticaram diversas ações em que difundiam a poesia moderna e atacavam impiedosamente os chamados “mestres do passado”, como Olavo Bilac e Coelho Neto.
Pode parecer briga entre paulistas e cariocas, mas o carioca Rui Castro talvez tenha razão quando diz, em saboroso artigo publicado em 2004, que “faltou carnaval no Modernismo”. Em sua opinião, os paulistas levaram a coisa a sério demais. Em vez do espetáculo de gala no Teatro Municipal, deveriam ter aproveitado a proximidade do carnaval para criar intervenções carnavalescas. Nessa linha, imagina a seguinte cena: “Oswald de Andrade poderia surgir, de repente, no meio de um chá literário na Villa Kyrial, em que senhoras recitassem Gonçalves Dias. Vestido com uma tanga de penas, como um índio, e sacudindo a papada, por-se-ia a declamar seu Pau Brasil, quem sabe com o próprio de fora” (O leitor apaixonado, São Paulo, Cia. Das Letras, 2009, p. 20).
A Semana foi, na verdade, o oposto disso. E seus efeitos demoraram para se manifestar na produção artística dos próprios modernistas. Além disso, muitos escritores importantes que surgiram na década de 1930, como Graciliano Ramos, sequer reconheceram a contribuição do Modernismo para a renovação da literatura brasileira. Sem contar que diversos personagens de destaque daquele movimento, como Graça Aranha e Guilherme de Almeida, já não são mais lidos na atualidade. Por isso, pode ser que a Semana de Arte Moderna esteja completamente olvidada no ano de seu centenário. Então, que ela seja comemorada enquanto é tempo. Benedito Antunes é professor de Literatura Brasileira da Unesp de Assis.