Encerrado o pleito eleitoral, aliás, dos mais pobres quanto a conteúdo programático dos últimos vinte anos, porque desprovido de propostas concretas sobre os problemas sociais e econômicos do país, constata-se que o sistema político partidário implementado perdeu importância.
Isso porque, modo geral, as legendas partidárias tiveram e tem tido pouca influência no debate das ideias e, sobretudo, na escolha do candidato que receberá o voto popular, numa evidente demonstração de que é necessária a reorganização do atual sistema dos partidos políticos. Em decorrência da corrupção desenfreada, da ineficiência das políticas públicas, do baixo crescimento econômico, da segmentação da sociedade, enfim, das mazelas que se instalaram no país e ressaltaram a corrupção desenfreada, creio que seja possível afirmar que a vitória de determinados candidatos foi mais do eleitor, do cidadão, do que dos próprios candidatos.
Essa constatação merece detida reflexão por parte de toda sociedade, que já não aceita a falácia do discurso fácil e genérico que em tempos de eleição, com desfaçatez defende a democracia, as liberdades, os direitos, as melhorias sociais etc., sem demonstrar como vai assegurar aquilo que propõe certamente porque há a certeza da impunidade se nada ou pouco se concretizar durante o eventual mandato.
De fato, os partidos políticos estão desacreditados pela população e, ainda, pelo excessivo número de partidos políticos existentes, já não representam as diferentes ideologias e convicções existentes na sociedade que serviriam para ampliar o debate sobre os rumos do país. Cabe dizer, os partidos não cumprem seu papel basilar como canais institucionais de expressão de anseios políticos e das reivindicações da sociedade, restando evidente que há de se buscar mecanismos que ajudem no aprimoramento do sistema político.
Poder-se-ia dizer que a cláusula de barreira, que restringe a atuação parlamentar do partido que não alcançar determinado percentual de votos e visa a extinção dos chamados partidos de aluguel, será um meio de depuração do sistema partidário. Mas, a meu ver, somente essa medida não se mostra suficiente para fortalecer o sistema e a própria democracia.
Daí a importância do debate sério e definitivo acerca do alcance constitucional da exigência da filiação partidária, prevista no §3º do art. 14 da Constituição Federal, tendo vista que desde 1992 o Brasil é signatário do Pacto de San José da Costa Rica, firmado durante a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, em 1969, o qual possui status supraconstitucional e consagra no seu art. 23 a possibilidade de candidaturas independentes. O §2º do referido art. 23 prevê que a filiação partidária, como fator determinante para elegibilidade, impede o livre exercício dos direitos políticos dos cidadãos, pois que todos têm o direito de “ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas do país”. Diante desse contexto é plausível afirmar que nada justifica a existência de qualquer restrição ao direito do eleitor de votar e ser votado, bem como que essa possibilidade resultará no repensar e no próprio fortalecimento do atual sistema dos partidos políticos.
Oportuno lembrar que a vigência desse princípio normativo depende somente de que o Supremo Tribunal Federal declare sua prevalência, face à própria Constituição brasileira, no que diz respeito a obrigação de filiação de um cidadão a um partido como condição para uma candidatura política.
Também é importante notar que cerca de 90% dos países no mundo permitem quando não ampla liberdade a candidaturas independentes, autorização ou ausência de proibição para que independentes disputem alguns cargos.
Ponderadas essas questões, é de se admitir que a obrigação da filiação partidária, como condição para uma candidatura a um cargo eletivo, caracteriza-se como um grave desacato aos direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros, além de servir para afastar ou inibir a participação do homem de bem da política, maculando o Estado de Direito considerado democrático que, quando alicerçado sobre as bases dos direitos fundamentais, equilibra Direito e Poder.
Além disso, a imediata aplicação do Pacto de São José da Costa Rica certamente viabilizará alternativas políticas dissociadas das que de longa data se estabeleceram como verdadeiros feudos e possibilitará a apresentação de candidaturas apartidárias que privilegiem a virtude política, que no dizer de Montesquieu, em O Espírito das Leis, “é a virtude moral, no sentido de que ela se orienta para o bem geral”, além de realçar o princípio fundamental estatuído na Constituição Federal que prevê que “todo o Poder emana do povo” e, como destaca o jurista Modesto Carvalhosa, “não dos partidos políticos”.
A hipótese da candidatura independente, além de privilegiar o princípio democrático, certamente terá um efeito positivo sobre o sistema partidário porque ensejará o repensar dessas agremiações e promoverá maior participação política da sociedade.
Enfim, passadas as eleições, este momento é propício para que a sociedade e os órgãos competentes pautem o assunto!
Paulo Eduardo de Barros Fonseca é vice-presidente do Conselho Curador da Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, mantenedora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, advogado e presidente da APAESP- Associação dos Procuradores Autárquicos do Estado de São Paulo.