Há quarenta anos, em maio de 1977, estreava nos cinemas estadunidenses “Star Wars”, ou “Guerra nas Estrelas” como foi chamado no Brasil. Ele não era a aposta principal daquela temporada de cinema, e seu criador, George Lucas, lançou o filme sem a certeza de que conseguiria financiar continuações onde pudesse contar a história principal da saga: a jornada do icônico Darth Vader. Esse primeiro filme tem inclusive um fechamento claro, que se dá com o fim da a mortífera arma do Império denominada Estrela da Morte e a consagração de Luke Skywalker e seus companheiros como heróis.
Apesar das baixas expectativas, filas enormes de adultos e crianças se formaram em frente aos cinemas, criando fãs de uma saga que continuou nos bem-sucedidos “O Império Contra-Ataca” (1980) e “O Retorno de Jedi” (1983). Os efeitos especiais inovadores da trilogia mudaram a história do cinema, deixando o público espantado com as novas possibilidades visuais e sonoras apresentadas.
Era razoável se esperar que os filmes se tornassem clássicos, mas Star Wars fez mais do que isso, e continuou a repercutir por através das décadas. Hoje podemos observar ao menos três gerações que levaram seus familiares não apenas para assistir aos filmes da nova trilogia (1999-2005) ou ao recente “O Despertar da Força”, mas sim que os apresentaram para a chamada trilogia clássica. O que torna esses filmes ainda tão relevantes?
George Lucas sempre deixou claro que seus filmes eram permeados de simbolismo e que bebeu de diversas mitologias. O herói Luke Skywalker passa por um episódio de tentação nas mãos de Darth Vader, análogo às tentações de Cristo e Buda. A filosofia dos cavaleiros que lutam em nome da justiça na galáxia, os Jedi, tem características claras do budismo. A Força, energia mística utilizada por esses cavaleiros, pode ser entendida como equivalente ao conceito de energia cósmica denominado “prana” pelos hindus.
Sua história é centrada em valores como amizade, lealdade e fé, e Darth Vader só pôde ser redimido pela fé de seu filho no bem que existia nele; ao longo dos seis primeiros filmes acompanhamos a origem, tentação, queda e redenção desse personagem. Para Lucas, é isso que possibilita o mundo de continuar em equilíbrio: não necessariamente a fé em um sistema religioso, mas sim em algo maior do que nós.
Há quem considere a saga como uma mitologia moderna. Lucas discorda, acreditando que ele adotou o papel de recontar os mitos antigos de uma forma nova. Joseph Campbell, conhecido por seus trabalhos no campo da mitologia comparada exposto em livros como “O Herói das Mil Faces”, atuou como mentor de Lucas, que observou fielmente a “jornada do herói” descrita pelo autor ao escrever os roteiros dos filmes.
Desde tempo imemoriais, se narra a jornada de um herói que sai em uma aventura e se torna a peça decisiva da vitória em uma crise. Luke Skywalker, um rapaz com uma vida ordinária, é “chamado para a aventura” quando dois simpáticos androides trazem um pedido de ajuda de uma princesa. O herói é relutante e tem medo, mas seu mentor, dotado de poderes mágicos aqui expressos pela Força, o auxilia a seguir em frente. Ele deve então deixar tudo o que tinha para trás e partir com o novo amigo Han Solo para o resgate da Princesa Leia.
O grupo passa por muitas provações, e Darth Vader finalmente encontra Luke Skywalker, e o tenta para que esse use seus poderes para o mal, abandonando a jornada, mas Luke se recusa. Depois de um ano de treinamento, o herói pode finalmente enfrentar novamente o vilão que agora sabe que é seu pai, tendo a fé e a crença na piedade deste. Seu pai é subordinado à verdadeira figura do mal, o Imperador. Juntos, eliminam essa figura sombria, e Luke se torna um verdadeiro Jedi ??? o último ??? e o fundador do Império e seu representante está destruído e seu pai foi redimido das trevas. A jornada se encerra.
Tanto Lucas quanto Campbell acreditam que o mito é um parâmetro para a vida, algo que mostra nosso lugar no mundo. A mitologia comparada mostra que os povos, em lugares e tempos diversos, contam sempre as mesmas histórias. Assim, uma narrativa concebida nessa estrutura pode ser compreendida por todos, pois elas são imediatamente humanas. Essa é a verdadeira razão da permanência de Star Wars durante 40 anos e, aparentemente, muitos mais em nossa cultura. A mitologia pode sempre ser recontada, e Star Wars o faz brilhantemente.
Christiane Tavares F. da Silva é formada pela PUC-SP em Relações Internacionais, especializada no campo da mitologia comparada. Também é diretora do documentário “Dissipando as Trevas: Os Reflexos da Cultura Indiana no Brasil.”