“Não deixe a moda possuir você, mas decida o que você é e o que você deseja expressar pela maneira como você se veste ou pelo jeito que você vive”, diria Gianni Versace, referindo-se ao real papel da moda. E num mundo pós-pandemia parece certo que essa frase, finalmente, fará sentido sobre a forma como o mundo está acostumado a consumir. Afinal, os novos tempos que estão se desenhando mostram que tudo terá que ser revisto, desde as relações pessoais e profissionais até, certamente, a maneira como as pessoas enxergam as tendências fashionistas lançadas a cada temporada.

Enquanto grandes nomes do segmento de luxo, que participam de semanas de moda, insistem em realizar seus desfiles com público – recentemente, Paris anunciou que o evento será realizado presencialmente enquanto a mesma confirmação veio de Milão -, outros empresários do segmento preocupados com essa nova realidade têm repensado como vão mudar a forma que fazem e vendem moda. Monica Rosenwzeig, designer de joias, que vive atualmente em Cascais, Portugal, e que mantém um atelier em Ipanema, no Rio de Janeiro, tem repensando cada pequeno detalhe do seu processo de produção.

“Tudo mudou na minha forma de criar e de pensar em como o meu público vai consumir moda. Comecei a questionar, por exemplo, qual é a necessidade de se usar um acessório, um adereço; ou em como muitas vezes compramos algo que será usado apenas em uma ocasião e depois será colocado de lado. Portanto, a partir de agora, teremos que ressignificar nosso trabalho por diversas razões. As pessoas vão passar a direcionar suas compras para o que realmente é necessário, para o que de fato vão usar, para o que lhes passe algum tipo de mensagem, uma simbologia. Eu, por exemplo, passei o consumir apenas o que me traz sensações de aconchego ou proteção. E acho que isso será uma tendência na moda. As pessoas não vão mais seguir apenas os conceitos que grandes costureiros lançam a cada temporada e que são replicados por milhões de marcas ao redor do mundo. Elas vão procurar roupas, acessórios etc que lhes transmitam alguma mensagem, alguma coisa positiva”, comenta.

Monica lembra, ainda, um detalhe importante que muitos ligados ao segmento, por vezes, esquecem e que, hoje, mais que nunca, deve ser relembrado: a moda não é apenas feita para vestir pessoas para ocasiões e locais especiais, ela existe para dar soluções à sociedade. “Neste momento, em que trabalhamos mais em casa, a criação precisa estar mais voltada para as roupas confortáveis, fáceis de lavar e passar, que visam o conforto e a praticidade do consumidor. Então, de que adiantam vitrines cheias de peças fashionistas se não podem ser usadas? É preciso que o mercado entenda que a pandemia não é apenas uma fase, é um marco de uma realidade que ninguém ainda tem ideia de como será no futuro. Não sabemos como será o chamado novo normal. Queremos nos sentir bem, claro, mesmo em casa. E por isso tantas pessoas abandonaram o uso constante de pijamas em tempo integral, que aconteceu muito no início do isolamento, e agora acordam, se vestem e permanecem arrumadas dentro de casa. Mas se arrumar não significa que a pessoa vá colocar uma calça de couro, bota e correntes penduradas no pescoço para ficar em casa. Significa, sim, que ela vai procurar peças que tragam a chamada ‘confort sensation’. E é aí, exatamente, que os designers e estilistas terão que repensar suas criações. O que, afinal, esse novo consumidor que não sai de casa, mas não abre mão de se sentir bem, quer? E mesmo depois. Sair de casa após meses observando um closet lotado e inútil vai deixar claro que não precisamos de muito, precisamos de praticidade e conforto”, questiona.

No caso dela, as novas coleções trarão um misto de simbologias ligadas à proteção; a possibilidade de customização com poucas peças que se misturem e se transformem em outras; e o aconchego, com desenhos e formas que remetam àquela joia de família com memórias embutidas. “Com a pandemia, passei a dar mais valor às coisas que passavam despercebidas no meu dia-a-dia, que me eram comuns, como um abraço ou simples aperto de mão. Parece piegas falar isso, mas a verdade é que muitos passaram a enxergar a importância de pequenos gestos que eram vistos como rotina. E esse tipo de coisa me fez questionar o que é realmente importante na vida. Comecei a pensar, então, em peças que pudessem ter alguma mensagem de amor, de amizade, de eternidade”, complementa. Na coleção Abelha, por exemplo, estão sendo criados brincos, anéis, pingentes e pulseiras (que podem ser feitos em prata com zircônia ou em ouro com brilhante), que poderão se mesclar, com a abelha, peça principal, “voando” entre cada um dos acessórios. “Minha inspiração aconteceu a partir de um dia em que eu estava observando as abelhas que posavam na minha varanda. Comecei a pensar que o mundo sem as abelhas não existiria, em sua importância e em como a forma de viver desses insetos pode representar fidedignamente a nossa vida e a maneira como precisamos ressignificar a nossa existência, especialmente nesse momento. Elas trabalham em equipe, voltam sempre pra casa, têm laços, produzem o que há de mais doce na natureza, têm uma importância enorme na fertilização ao voarem de flor em flor”, explica. Outras peças serão totalmente personalizadas, seguindo uma customização de acordo com o que cliente busca e precisa. E há, ainda, os acessórios “soltos”, aqueles que possibilitam as misturas com o que já se tem, como uma nova pulseira que carregue os pingentes que a pessoa ganhou ao longo da vida, ou duas pulseiras que possam se juntar em um novo e único modelo de colar, brincos de argolinhas como pingentes.

Além da questão estética de cada coleção, muitas pessoas também têm se perguntando como as marcas vão tentar garantir que as peças cheguem “protegidas”. Em seu atelier, Monica já reviu toda a cadeia de produção e entrega e, desde abril, só envia os acessórios após passarem por um processo bastante consistente em relação à sua higienização. Os produtos são lavados em banhos especiais para metais, que retiram a gordura das peças após o manuseio e montagem. As embalagens também são manipuladas apenas com as mãos higienizadas e com luvas. E o atendimento é exclusivamente com hora marcada e com um cliente de cada vez, seja no atelier carioca ou português.

O futuro do mundo, e não apenas da moda, ainda é uma incógnita para toda a sociedade. Entretanto, para quem ainda pensa que não precisará se adequar à nova realidade e ao futuro do planeta, Monica é enfática: “A moda é um reflexo da sociedade. Cada um usa o que acredita ser melhor para si. Porém, diante do que estamos passando, não me agrada sentir uma certa alienação aos fatos, com pessoas e profissionais fingindo que nada esteja acontecendo ao nosso redor. Nesse sentido, a moda acaba se tornando sinônimo de futilidade, de um glamour fora de hora. E não é esse o conceito que eu quero passar com a minha marca”, reflete a designer, que também quer tornar seu trabalho cada vez mais sustentável, incluindo a criação de nova embalagens e proporcionando um atendimento cada vez mais humanizado, por meio das mídias sociais e Whatsapp.