Foto: Luciano Teixeira/Pixabay

Por Anke Manuela Salzmann*

Projeções das Nações Unidas indicam que em 2050 seremos 9,7 bilhões de pessoas no mundo – dos quais dois terços viverão nas cidades e consumirão 70% de toda a energia disponível. A escassez de alguns recursos já é uma realidade em vários ambientes urbanos. A falta de água é um exemplo. Com o aumento populacional, o desafio será ainda maior! Por isso, é tão importante investirmos esforços na construção de cidades inteligentes.

Para a União Europeia, cidade inteligente é um lugar onde os recursos são utilizados de forma eficiente, a partir do envolvimento ativo dos cidadãos. Por meio de tecnologias digitais e de telecomunicações, redes e serviços são otimizados para benefício direto de habitantes e negócios. A sustentabilidade passa a ser o fio condutor no planejamento de todos os componentes.

Em Barcelona, Espanha, por exemplo, o sistema de coleta de resíduos não para! De hora em hora, escotilhas distribuídas pela cidade recolhem o material, que percorre até 70 quilômetros por tubulação subterrânea até o centro de coleta. Lá, ele é separado em reciclável e orgânico. Processado, o último retorna em forma de energia. Nessa lógica, o lixo deixa de representar uma ameaça para os ecossistemas terrestres e marinhos.

No Brasil, temos o exemplo de Laguna (CE), a primeira cidade inteligente no mundo voltada para habitação social e que deve abrigar 20 mil pessoas. Ela está em construção e contará com um sistema de coleta de resíduos inteligente, calçamento que proporciona a infiltração de água no solo, sistemas de reaproveitamento de água, irrigação otimizada conforme às condições meteorológicas, locais que produzem energia a partir de corpos em movimento, entre outros.

Existe, no entanto, um componente não tecnológico, porém fundamental em uma cidade inteligente: a natureza! As áreas verdes são a forma de conexão do ser humano à sua essência. São elas que nos lembram que não somos feitos de tecnologia e que não fomos criados para vivermos presos em quatro paredes. Estudos indicam que áreas verdes urbanas reduzem a incidência de doenças respiratórias e mentais. Espaços como parques incentivam a atividade física.

Além disso, áreas verdes urbanas amenizam os impactos negativos causados pelo homem. Elas possibilitam a conservação da biodiversidade, regulam o clima local, aumentam a qualidade do ar, reduzem o ruído, protegem contra eventos climáticos extremos (ondas de calor, enchentes e deslizamentos de encostas), entre outros.

A natureza pode ser trazida para dentro de uma cidade de diversas formas. Um método que tem se mostrado muito interessante são as Soluções Baseadas na Natureza (SBN), empregadas para enfrentar desafios como falta de água, grandes enchentes e deslizamentos. Essa abordagem gera benefícios à conservação da biodiversidade ao mesmo tempo em que promove soluções para o desenvolvimento econômico e o bem-estar social. Mas como isso funciona?

Os parques nas margens de rios urbanos atuam como “esponjas” e evitam inundações. Além disso, servem de abrigo para a fauna e flora local. Quanto mais áreas verdes espalhadas pela cidade, mais água infiltrará e será armazenada no solo, o que por sua vez alimenta nascentes e lençóis freáticos. Assim como nós, a vegetação transpira e libera vapor à atmosfera. Com isso, as plantas têm um papel fundamental na regulação térmica de uma cidade. Neste contexto, plantas podem ir além de parques e praças. Hoje, verdadeiros jardins recobrem tetos e paredes!

As áreas verdes urbanas atraem insetos, aves e morcegos que têm a importante função de polinizar os nossos cultivos agrícolas. De todas as plantas cultivadas no Brasil para fins alimentícios, 60% dependem da ação desses pequenos agentes. Infelizmente, o desmatamento, as mudanças do clima e o uso de agrotóxicos têm colocado a vida desses polinizadores em risco. Estudo da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos e da Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador estimou, em 2018, que o valor do serviço de polinização que a natureza presta gratuitamente chega a R$ 43 bilhões.

A cidade inteligente também promove a conservação de áreas naturais que vão além de seus domínios. O movimento Viva Água é um exemplo disso. Idealizado pela Fundação Grupo Boticário, visa garantir a segurança hídrica e a adaptação aos efeitos das mudanças climáticas em bacias hidrográficas localizadas no entorno de áreas urbanas. Iniciado na Bacia do Rio Miringuava, em São José dos Pinhais (PR), está reunindo atores de múltiplos setores para alcançar os objetivos propostos, por meio de ações de conservação e restauração de ambientes naturais e fomento ao empreendedorismo com impactos socioambientais positivos. Assim, ao olhar para além de seus muros, a cidade inteligente reconhece o quanto seu bem-estar depende do equilíbrio ambiental e socioeconômico de seu entono.

* Anke Manuela Salzmann é especialista de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário