Em 30 de julho de 1904, através da lei estadual 1916, era criado o Districto de Paz de Villa Americana, decisão que encerrava quase uma década de disputa territorial, e que envolvia arrecadação de impostos, entre os municípios de Campinas e Santa Bárbara.

O processo para essa conquista villamericanense contou com o empenho de moradores deste pequeno povoado, unindo o capital industrial, proprietários rurais e comerciantes. Considero emblemático o evento de reinauguração da Fábrica de Tecidos Carioba em 1902, que conta com uma longa lista de convidados, que ia desde o interventor campineiro, o equivalente a prefeito na época, o dr. Antônio Alvares Lobo, ao comerciante e líder político local, o sr. Sebastião Antas de Abreu. Este evento sela um compromisso entre estes homens, principalmente com a adesão de um grande investidor que acaba de instalar-se, o sr. Comendador Franz Müller. Posteriormente outros nomes juntaram-se a este grupo, que passou a lutar por outras demandas e por último pela emancipação política e consequente elevação a município.

Durante duas décadas após a criação do distrito de paz (1904-1924), Villa Americana cada vez mais conquista prestígio e fama pelo seu desenvolvimento industrial, comercial e sócio cultural, tornando-se “o distrito mais próspero de Campinas”. Neste período distrital de Villa Americana, o aumento de oferta de trabalho não apenas contribui com o crescimento populacional, assim como com a diversidade de origens e nacionalidades (germânicos, sírios, italianos, gregos, portugueses etc), bem como na diversidade de profissionais (médicos, dentistas, advogados e farmacêuticos) atraídos pela pujante economia. O comércio de Villa Americana beneficia-se desse crescimento e também de turistas e esportistas, pois Villa Carioba torna-se também um centro de turismo, lazer e desporto.

30 de julho-120 anos do Districto de Paz de Villa Americana

Iniciada em 1912 em terras doadas por Sebastião Antas de Abreu, o prédio próprio da sub prefeitura é inaugurado em maio de 1913.´localizava-se na rua Fernando de Camargo, ao lado do atual edifício Abdo Najar. Com a emancipação o prédio sediou a primeira Câmara Municipal.

A criação do novo distrito, além de resolver a questão territorial e fiscal, atendia outra reinvindicação, definia a questão jurídica dessas pessoas, pois Campinas já possuía uma Comarca, enquanto Santa Bárbara pertencia a Comarca de Piracicaba. A viagem para este último município, no início do século XX, era realizada através de “… estradas cheias de morros, em caminhos acidentados pela altitude dos terrenos, percorrendo mais de seis léguas, para virem cumprir os deveres desses cidadãos, quer como jurados e para os exercícios de seus direitos civis, como homens, ou chamados a depor ou a defesa de seus interesses jurídicos, em Piracicaba…” (trecho de memorial da Câmara Municipal de Campinas citado em discurso do vereador Antônio Zanaga na 3ª sessão ordinária da Câmara Municipal de Americana, em 6 de fevereiro de 1948, em homenagem ao Dr. Antônio Alvares Lobo. Livro de Atas da Câmara Municipal de Americana, folha 62 verso, 63 frente e verso e 64 frente), enquanto que os moradores de Villa Americana podiam chegar à Campinas de forma mais rápida e econômica, contando com três partidas diárias de trem para este último município.

Solucionadas as questões territoriais, fiscais e jurídicas, o status de distrito de paz traz aos moradores outros benefícios, que modificaram suas vidas, não apenas pela questão logística, mas também na significação de local de pertencimento, na conscientização numeral de habitantes e aumento da auto estima: a instalação de uma sub prefeitura; a construção de um cemitério próprio; e o serviço de registro civil.

Inaugurado em setembro de 1904 em terras doadas por Sebastião Antas de Abreu, o cemitério é de capital importância no desenvolvimento afetivo e religioso dos villamericanenses. No decurso de duas décadas, centenas de famílias passam a utilizar este espaço anualmente. Segundo relatórios anuais dos intendentes e prefeitos de Campinas, nos vinte anos distritais, mais de dois mil sepultamentos foram realizados no cemitério.

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 Outro fator contribuinte para o sentimento comunitário foi a nomeação de José Ferreira Aranha como Escrivão de Paz e Official de Registro Civil, e a consequente lavratura dos registros de nascimento, casamento e óbitos passarem a realizar-se no distrito.

A instalação da sub prefeitura trouxe a política administrativa para mais perto dos moradores, que passam a serem atendidos por um morador local indicado para o cargo de sub prefeito. Além de produzir relatórios com os dados do distrito, o ocupante deste cargo também relatava as necessidades e anseios da localidade e comandava a execução de pequenas obras.

Com a definição e melhora das condições institucionais do povoado, o Distrito de Paz de Villa Americana passou a desenvolver-se e criar fama em diversos seguimentos, contando com dois núcleos de crescimento: a sede do Districto de Paz de Villa Americana e Vila Carioba. O primeiro possuía uma estação de trem que escoava toda a produção agrícola do distrito e região e desembarcava turistas e consumidores, além de possuir uma sede do poder administrativo, a subprefeitura, o cartório e a polícia. O segundo contou com grande investimento por parte dos Sócios Müller e Rawllinson.

Podemos afirmar que três fatores contribuíram para a aglutinação e desenvolvimento do vilarejo existente no quadrilátero do entorno da antiga matriz de Santo Antônio: o comercial, o religioso e o institucional.

A estação de trem foi imprescindível para o desenvolvimento agrícola, industrial, comercial e sócio cultural de Villa Americana. São icônicas as fotos, de diversos períodos, do embarque de produtos. Assim como existem diversos relatos sobre como era fácil o acesso a este distrito, tanto para a realização de compras no comércio local, quanto para o turismo, desportos e negócios em Vila Carioba.

Inicialmente batizada de Estação de Santa Bárbara, ela foi inaugurada em 27 de agosto de 1875 com honras imperiais por Dom Pedro II e Conde D’Eu. Sua importância inicial era comercial e logo passou a ser conhecida por “estação dos americanos”, mas durante a década de 1890 o transporte de passageiros tornou-se volumoso e em 1900 foi rebatizada como Estação de Villa Americana. O caso mais notório deste período é a relação política e de amizade iniciada pelo Dr. Antônio Alvares Lobo, que em fins do século XIX desembarcava nesta estação para seguir de troly até a sua fazenda Santa Guilhermina pertencente ao município de Limeira, nas divisas com Carioba. Em suas contínuas viagens travou conhecimento com moradores e comerciantes do vilarejo, criando sólidas amizades, dentre elas com o comerciante Sebastião Antas de Abreu. Mas esta parada da linha férrea foi a porta de chegada de muitos homens que buscavam trabalho, negócios e uma nova vida. Durante praticamente um século esta estação regeu a vida de Americana. Tanto que em meados do século XX Os moradores costumavam dizer que na vida era necessário ter amizade com três pessoas: o prefeito, o delegado e o chefe da estação.

Os livros de profissões e indústrias da Câmara Municipal de Campinas demonstram o volume e a diversidade na arrecadação dos comércios, indústrias e serviços: Hotéis e pensões, serviços de carros de aluguel, agência telefônica e de correios, bares, lanchonetes, mercearias, sapatarias, alfaiatarias, aviamentos, enxovais, loja especializada em produtos importados, farmácias, tipografia e papelaria, marcenaria (inclusive de caixões), matadouros, açougues, médicos, dentistas, advogados, fabrica de gelo, de macarrão e fabrica de cola, por exemplo. Esta variedade também era aplicada no atendimento as diversas classes sociais da época.

Outra fonte demonstrativa deste comércio são os anúncios em periódicos locais da década de 1920, que atestam o refinamento de alguns estabelecimentos, lojas de armarinho que ofereciam produtos ingleses, franceses e até mesmo da Ilha da Madeira – Brasserie que possuía “bebidas finas nacionais e estrangeiras, latarias, frios em geral, bombons e sorvetes”. Mas a oferta de bens de valores mais altos também é frequente, como bicicletas, carros, caminhões e tratores. Durante a década de 1920, Villa Americana já possuía duas agências de automóveis, a Ford, de sociedade de Fortunato Faraone, Domingos Nardine, Santino Faraone e Stefano Tancredi e a Chevrolet, de Francisco Delben.

Neste pequeno quadrilátero estava concentrado a subprefeitura, o cartório e a delegacia de polícia com sua cadeia pública e também dois importantes templos religiosos. Construída no século XIX e localizada ainda hoje na rua Sete de Setembro, a Igreja Presbiteriana representou papel importante na congregação dos produtores agrícolas imigrados dos Estados Unidos para cá. Já em 1900 é criada a paróquia de Santo Antônio de Villa Americana, fato que contemplou os anseios de outra parcela de moradores, principalmente os italianos.

Até hoje presente na memória afetiva de muitos americanenses, Vila Carioba é um capítulo à parte da história da cidade. Porém, o período administrado pelo Comendador Franz Müller (1902-1920) e início da administração de Hermann Theodor Müller (1920 – 1924) foram de capital importância para o crescimento da economia local e aumento populacional, mas também contribuíram ao propósito propagandista e no cumprimento de requisitos para a consequente elevação à município de Villa Americana.

Carioba, nas duas primeiras décadas do século XX, torna-se um polo para a economia, a cultura e os relacionamentos socias do Districto de Paz de Villa Americana e região. Ainda neste período torna-se um dos mais importantes centros de produção têxtil do estado, e suas tecelagens de algodão e seda serviram como escola para a maioria dos que anos depois montariam suas próprias tecelagens em Villa Americana.

A administração Müller investe em mais teares e no aumento do número de funcionários. O cariobense Antônio Bertalia, em seu livro de recordações demonstra que este aumento é acompanhado por diversificação de tipos de teares, onde outrora se produzia apenas sacas para grãos e vestimenta para escravos, passou-se a produzir sarjas, telas, tecidos de seda, cobertores, casimira, toalhas, cortinas e colchas.

Em 1907 Franz Müller incumbe seu filho primogênito, Hermann Theodor Müller, a ir para Europa convencer seus sócios a investirem mais capital na “Rawlinson, Müller & CIA – Fabrica de Fiação e Tecelagem Carioba” (nome de registro de 1902 na junta comercial do Estado de São Paulo). É com este novo investimento que a Fazenda Salto Grande é readquirida, passando a produzir diversificada lavoura, inclusive o algodão, e inicia-se a construção da Usina Hidrelétrica de Salto Grande, que é inaugurada em 1911. Mesmos ano da inauguração da Fábrica de Fitas e Elásticos Quilombo, de propriedade de Bruno Von der Leyen, genro de Franz Müller.

A vila operária de Carioba cresce em número de residências, em variedade de casas comerciais e em equipamentos de lazer, esporte e cultura, chegando a possuir cerca de 250 construções até o final da década de 1920. Bertalia lembra que “havia duas barbearias, padaria, farmácia, açougue, alfaiataria, loja de tecidos de fabricação própria, loja de conserto de calçados, coreto para banda musical, conjunto musical ‘Jazz Band’, … Clube Recreativo Esportivo Carioba, (com uma riquíssima biblioteca), Clube de regatas e natação Parque São Francisco (poça), campo de futebol, sala de cinema para aproximadamente 400 pessoas, quitanda, banca de revistas, leiteria…”.

Ainda segundo Bertalia, a partir de 1908 é “formada uma classe de aula mista em barracão cedido pela indústria” p 90. Mas é no início da década de 1910 que é inaugurado prédio próprio para a escola de Carioba. O Arquivo Municipal de Campinas guarda ofício da “Rawlinson, Müller & CIA – Fabrica de Fiação e Tecelagem Carioba”, colocando à disposição da municipalidade campineira a administração do prédio construído para abrigar o Grupo Escolar. Em homenagem a Franz Müller, em 1921, um ano após sua morte, é criado a Escola Reunida de Carioba, recebendo o nome Grupo Escolar Comendador Müller.

A criação do Distrito de paz de Villa Americana é sem dúvida a pedra fundamental para a conquista de nossa elevação à município em 1924, mas também foi fundamental na formação social, na criação de uma identidade, na fabricação do orgulho e sentimento de pertencimento.

André Maia Alves da Silva

Historiador

 

 

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