Uso indiscriminado de antibióticos: um alerta urgente para profissionais de saúde e sociedade
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O avanço da medicina nas últimas décadas permitiu conquistas notáveis, muitas delas sustentadas pela descoberta e uso de antibióticos. No entanto, o uso incorreto e excessivo desses medicamentos, especialmente em infecções respiratórias de origem viral, tem colocado em risco a sua eficácia, alimentando um problema silencioso e global de saúde pública urgente: a resistência bacteriana.
Uma em cada seis infecções bacterianas confirmadas em laboratório é resistente a tratamentos com antibióticos, informou recentemente a OMS (Organização Mundial da Saúde). A agência da ONU (Organização das Nações Unidas) pede que os medicamentos sejam usados de forma mais responsável. Segundo a publicação, a resistência aos antibióticos aumentou em cerca de 40% das amostras monitoradas, baseado em dados de mais de 100 países entre 2016-2023.
Dados do Ministério da Saúde mostram que o consumo de antibióticos no Brasil aumentou 31,2% entre 2014 e 2019, saltando de 44,9 milhões para mais de 59 milhões de unidades vendidas. A região Sudeste lidera esse consumo, sendo responsável por mais da metade das vendas. Ainda mais preocupante é o dado da Sociedade Brasileira de Infectologia, que revela que 24,5% da população brasileira utilizou antibióticos por conta própria no último ano, a maioria para tratar dores de garganta, gripes e resfriados, doenças que geralmente têm origem viral e não requerem esse tipo de medicamento.
Esse comportamento, somado a prescrições inadequadas, impulsiona o surgimento das chamadas “superbactérias”. Um estudo publicado na renomada revista científica The Lancet projetou que a resistência antimicrobiana seja atualmente responsável por 1,27 milhão de mortes por ano no mundo. Caso esse panorama não seja revertido, esse número poderia ultrapassar os 39 milhões de óbitos até 2050.
Diante desse cenário, o papel de médicos, farmacêuticos, outros profissionais de saúde, responsáveis por políticas públicas, empresas do setor e da própria sociedade é mais importante do que nunca. Precisamos urgentemente promover a educação em saúde, reforçar diretrizes clínicas e ampliar o acesso à informação confiável sobre o uso apropriado de medicamentos.
Nesse contexto, o Global Respiratory Infection Partnership (GRIP) tem desempenhado um papel fundamental. A iniciativa, fundada e liderada pelo Grupo Reckitt, multinacional de bens de consumo, reúne especialistas de 18 países ao redor do mundo para desenvolver e promover diretrizes baseadas em evidências, voltadas ao manejo responsável das infecções respiratórias do trato superior, como faringites e resfriados. A proposta é clara: oferecer tratamento sintomático quando não há indicação do uso de antibióticos, orientando prescritores e pacientes para que decisões terapêuticas sejam mais conscientes e eficazes.
Com mais de uma década de atuação, o GRIP contribui com materiais de apoio, treinamentos, pesquisas e estratégias que estimulam mudanças de comportamento tanto na prescrição quanto na busca por tratamento. A iniciativa também reforça o papel das farmácias como ponto estratégico de orientação segura, especialmente em países como o Brasil, onde grande parte da população ainda recorre à automedicação de antibióticos, apesar de serem vendidos mediante receita médica sob controle especial.
A preocupação com a resistência antimicrobiana não é recente e vem ganhando cada vez mais espaço em agendas internacionais. O tema esteve presente nas últimas reuniões do G7 e do G20, com o Brasil reforçando seu compromisso com a abordagem de “Saúde Única”, que considera as conexões entre saúde humana, animal e ambiental no enfrentamento de problemas globais.
Estamos, portanto, diante de uma emergência silenciosa que exige ação conjunta e coordenada. Médicos, farmacêuticos, gestores e cidadãos precisam se comprometer com a preservação dos recursos terapêuticos que ainda temos. Isso significa que os pacientes devem seguir corretamente as prescrições, principalmente quando falamos sobre os antibióticos, que precisam ser prescritos de forma adequada pelos médicos, enquanto políticas públicas precisam apoiar esse cenário por meio de regulação eficaz e investimentos em soluções baseadas em evidência científica.
Antes de recorrer ao antibiótico, é fundamental entender que, na maioria dos casos, há outras formas seguras e eficazes de aliviar esses sintomas, uma vez que, para quadros virais, o uso do medicamento não tem efeito. Preservar a eficácia dos antibióticos é uma responsabilidade de todos nós e começa com escolhas conscientes.
*Dr. Geraldo Druck é médico otorrinolaringologista, professor de otorrinolaringologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e membro do GRIP – Global Respiratory Infection Partnership – iniciativa global que reúne especialistas de 18 países para criar e divulgar diretrizes baseadas em evidências sobre o manejo responsável de infecções respiratórias do trato superior, como faringites e resfriados.
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