Por Fernando Moulin*

Em março de 2021, completou-se um ano do que provavelmente já é a maior pandemia da história. Fonte causadora de enormes transformações com implicações em toda a sociedade e por extensão, no mundo dos negócios, fato é que ainda viveremos mais alguns meses de profundos impactos na vida de todos nós e passaremos a conviver com mudanças que poderão ser permanentes em setores econômicos inteiros daqui por diante.

Por absoluta falta de alternativa, o isolamento em casa imposto pela pandemia para muitas famílias nos trouxe como consequência um enorme avanço na digitalização das empresas. Muito se falou do “avanço de cinco anos em cinco meses”, uma alusão à famosa frase do ex-presidente Juscelino Kubitschek, mas de fato existem inúmeras evidências estatísticas que demonstram que houve um avanço concreto de 10 anos em 1 nos processos de transformação digital, conforme artigo em que fiz esta provocação há mais ou menos 1 ano.

O que mais alterou a vida das pessoas, em 2020, foi a necessidade de repensarmos profundamente a grande maioria de nossos hábitos de entretenimento e consumo para poder enfrentar com menor impacto o período de isolamento social, inclusive no que se refere à renovada valorização do que convencionamos chamar de “lar”. Por exemplo, pessoas da chamada melhor idade e que até então tinham resistência ao digital e que nunca haviam comprado pela internet, se viram obrigadas a fazer isso. E a falar com outras pessoas por intermédio de seus celulares e aplicativos de vídeoconferência. E gostaram – ou pelo menos se adaptaram rapidamente. As gerações X e Y, mais do que acostumadas, potencializaram seu consumo, e as novas gerações, como a Z e Alpha, que nasceram com a internet já consolidada, estão cada vez mais com seus olhos e mãos nos smartphones. E, claro, as marcas não ficaram fora dessa.

E-commerce, aplicativos de entrega e streaming foram os que mais cresceram

Na indústria de entretenimento, por exemplo, a Netflix fechou 2020 com cerca de 20 milhões de assinantes no Brasil, o que já representa 10% do número de assinantes em todo o mundo. A mais famosa das empresas de streaming do mundo quase dobrou de tamanho no país ao longo do ano. Disney+ chegou no ano passado, e serviços como Globoplay, HBO GO e Apple TV+ estão entre os que mais crescem. Se em 2018 tínhamos pouco mais de cinco plataformas, no final de 2021 devemos passar das 20 opções de assinaturas. A Netflix, que já fatura mais que o SBT e tem mais assinantes do que as operadoras de TV a cabo no Brasil, ainda é a líder, mas, se não se atualizar, poderá perder o posto. Dados americanos mostram que, apesar de seguir crescendo no número absoluto de assinantes ano passado, com o advento de novas alternativas de streaming no mercado local a Netflix perdeu participação de mercado perante a sua concorrência.

O e-commerce brasileiro cresceu em média 74% frente a 2019. Um setor que vinha em constante crescimento, em média de 20% ao ano, em 2019 cresceu quase quatro vezes mais do que era comum para o setor. As pessoas terem ficado em casa, os shoppings terem fechado e a comoção das pessoas para ajudar os pequenos comércios foram algumas molas propulsoras desse crescimento – sem contar com a universalização das vendas pelo WhatsApp e redes sociais como o Instagram. O setor de supermercados cresceu quase 120% nas vendas online, o que fez com que a tendência das foodtechs tivesse um exponencial crescimento. Se no início de 2020, muitas empresas de porte grande ainda se davam ao luxo de sequer ter um site institucional, vemos um 2021 em que a disponibilidade de canais digitais se adequou exponencialmente à nova realidade de consumo e mercado.

Os aplicativos de entrega e delivery cresceram quase 300%, muito porque as pessoas em casa precisaram desses serviços para itens básicos como o almoço de cada dia, uma vez que ,com medo, muita gente não colocou os pés na rua nem para ir à padaria na esquina de casa.

Varejo fechou, mas o digital trouxe uma alternativa

O e-commerce foi o que salvou muitas empresas – ou ao menos, ajudou a reduzir perdas. Alguns setores, como a indústria de moda, foram drasticamente afetadas. A C&A, por exemplo, viu do dia para a noite 290 lojas em todo o país serem fechadas, seu faturamento cair vertiginosamente e precisou se reorganizar com urgência para manter a continuidade das operações. Ainda que o ano tenha visto uma queda significativa dos resultados da empresa se comparado aos períodos pré-pandemia,  50% das vendas da marca aconteceram on-line no fim de 2020 – valor que era irrisório anteriormente. E em 2021, não deverá ter uma grande queda neste share, o que indica uma consolidação do faturamento via e-commerce em patamares muito maiores do que antes da pandemia em caráter permanente.

Como mencionado, o WhatsApp se tornou uma real alternativa para as marcas venderem e se relacionarem com seus consumidores, como uma plataforma multimídia cada vez mais potente e onipresente. Vendedores se tornaram “digitalizados”. Apesar de alguns já utilizarem anteriormenteavam essa ferramenta para fidelizar consumidores, o processo de fechamento das lojas deu apenas essa opção para a continuidade das vendas e dos negócios. A Natura, por exemplo, viu crescer de 700 mil para mais de 1 milhão o número de suas consultoras digitais, que contam com o apoio de um potente conjunto de plataformas digitais disponibilizadas pela empresa para apoiar seus negócios durante estes tempos desafiadores. O brasileiro foi à luta, e as ferramentas digitais foram sua arma para combater a crise.

Vale mencionar também que as empresas que já tinham uma visão mais digital de suas operações e uma estratégia em curso aproveitaram a crise para ampliar sua participação de mercado e capturar mais valor para seus clientes e acionistas, como é o icônico caso da Magalu – que auxiliou tantas pessoas a obter alguma fonte de renda com seu programa “parceiro Magalu”.

Obrasileiro sempre foi um dos povos que mais acessam, interagem e consomem internet no mundo. Isso facilitou um processo doloroso de transformação que, imposto pelas circunstâncias externas, trouxe as organizações de todos os portes e setores para uma realidade rapidamente diferente de digitalização, rumo a uma sociedade efetivamente omnichannel e que está por aderir em breve às potencialidades e mudanças que advirão com o 5G e as novas possibuilidades tecnológicas.

Por fim, cumpre dizer que não haverá retrocesso nesta jornada digital, e que ela somente se potencializará daqui por diante. As possibilidades ainda são infinitas, estamos engatinhando neste processo de transformação digital, empurrado para um verdadeiro salto quântico pela pandemia. E também que sigo na torcida veemente pela resolução desta crise sanitária por intermédio dos avanços da ciência, para que em breve nos livremos desse mal secular que trouxe tanto flagelo às famílias e impactos econômicos negativos para o país e o mundo.

*Fernando Moulin é Business Partner da Sponsorb, consultoria boutique de business performance e um dos principiais especialistas em transformação digital e experiência do cliente.

Sobre Fernando Moulin  

Natural de Volta Redonda (RJ), Fernando Moulin é um dos principiais especialistas em transformação digital e experiência do cliente, além de ser um dos pioneiros do Marketing Digital/CRM no Brasil. Graduado em Engenharia Química pela Unicamp, possui MBA Executivo Internacional pela FIA-USP e realizou cursos de marketing e negócios em diversas instituições internacionais, como Kellogg/NorthWestern (Estados Unidos), INSEAD (França), Cambridge (Reino Unido) e Lingnan University (China). Possui mais de 20 anos de experiência como executivo em grandes organizações, como Telefônica/Vivo, Cyrela, Nokia, Pão de Açúcar, Claro, Citibank, entre outros. Mentor de startups e advisor estratégico, também é palestrante e professor do Master em Gestão da Experiência do Consumidor, na ESPM, além d professor e conselheiro deliberativo do IBRAMERC da Live University. Atualmente, é Business Partner da Sponsorb, consultoria boutique de business performance. Mais informações, acesse: www.linkedin.com/in/fernandomoulin/